ONS
desconectou unidades em 10 Estados e no DF para evitar grande blecaute com
danos maiores – mas episódios como esse refletem problemas sistêmicos da matriz
energética
Apagões foram necessários para evitar panes no sistema elétrico todo |
O corte
de energia que atingiu diversas cidades em dez Estados brasileiros e no
Distrito Federal entre 14h55 e 15h45 desta segunda-feira poderia ter sido pior.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) precisou desconectar milhares de
unidades consumidoras do sistema de fornecimento para evitar um blecaute muito
mais amplo, que poderia deixar dezenas de milhões de brasileiros sem energia
por mais de quatro horas, e causar imensos transtornos no trânsito, transportes
públicos, hospitais, escolas e na atividade industrial, e ainda danificar a
infraestrutura de geradores de energia, entre outros desastres.
Os
problemas causados nos desligamentos pontuais, como o que aconteceu desta vez,
são menos danosos do que em um grande blecaute, que pode demorar horas para ser
revertido. Mas os danos menores não escondem falhas que refletem problemas
sistêmicos da nossa matriz energética – e podem fazer o país voltar a conviver
com o fantasma do apagão.
Cortes
são automaticamente programados para acontecer caso haja um desequilíbrio
grande entre a geração e o consumo de energia. Assim que o risco de uma pane
cresce, a frequência de transmissão de energia para algumas áreas é reduzida a
menos de 60 Hz (frequência habitual). Instantaneamente essas áreas, previamente
selecionadas pelo ONS junto com as distribuidoras, são desconectadas do sistema
elétrico nacional. Aos poucos, o religamento é feito e distribuição volta ao
normal – o tempo médio de desligamento é de aproximadamente uma hora.
Procedimentos desse tipo podem ser adotados em diversas circunstâncias, como em
picos de consumo que não conseguem ser rapidamente supridos pelo aumento da
oferta.
O ONS
ainda não divulgou o motivo principal do corte desta segunda, embora o ministro
das Minas e Energia, Eduardo Braga, tenha atribuído o problema a uma falha numa
rede de transmissão.
Especialistas
ouvidos pelo site de VEJA, porém, acreditam que os cortes estejam, sim,
relacionados ao pico de consumo, argumento plausível em pleno verão. Com
temperaturas acima de 30 graus Celsius e pouca chuva, crescem as vendas de
aparelhos de ar condicionado e ventiladores. O horário também contribuiu: se
antes o pico de consumo de eletricidade se dava entre 17 horas e 20 horas,
quando o brasileiro chegava do trabalho, hoje ele mudou para entre 15 horas e
16 horas, quando os aparelhos de ar condicionado estão ligados em sua potência
máxima nos escritórios e residências pelo país.
A
questão não é apenas o desligamento pontual de algumas unidades consumidoras
por uma hora, mas a frequência com que esses episódios podem ocorrer daqui para
frente.
Sistema
– O Brasil vive um problema sistêmico. Nossa matriz energética é baseada em
usinas hidrelétricas que, há 20 anos, conseguiam armazenar água suficiente para
gerar energia por até cinco anos caso o país passasse por um período de seca.
Hoje, porém, por questões ambientais, os reservatórios das novas usinas são bem
menores, do tipo fio d’água, e a nossa "independência" das chuvas é
de menos de seis meses. Para completar o fornecimento em casos de baixos
índices pluviométricos, foram construídas, desde 2001, usinas térmicas.
Seu
objetivo era, inicialmente, trabalhar por períodos curtos, de forma
emergencial. Porém, com a mudança no regime de chuvas, desde o início de 2014
praticamente todas as térmicas (são mais de 1.000) estão ligadas para tentar
preservar o nível dos reservatórios. No principal subsistema nacional, o
Sudeste/Centro-Oeste, as reservas já despencaram para 18,27%. Para dar conta da
demanda, algumas térmicas foram obrigadas a adiar sua manutenção periódica, o
que prejudica seu pleno funcionamento. Nesta semana, veio à tona a notícia de
que a maior usina a óleo, Suape II (Pernambuco) precisou reduzir em 94% sua
produção de energia, depois que uma pane grave ocorreu em suas máquinas. O
parque vinha trabalhando em sua capacidade máxima, de 381,2 megawatts (MW),
suficiente para abastecer uma cidade de 2 milhões de habitantes – uma Curitiba
(PR) inteira. Hoje ela só está conseguindo gerar 22 MW.
O
diretor-executivo da Safira Energia, Mikio Kawai Jr., explica que o cenário em
2014 foi o pior desde 1955 e, para atender à demanda atual, as termoelétricas
deverão permanecer ligadas durante todo o ano de 2015, aumentando
consideravelmente o custo de geração de energia por serem bem mais caras do que
as hidrelétricas. “Para estancar a crise, seria necessário chover o acumulado igual
ou superior à média histórica de 80% da MLT (média de longo termo), o que não
acontecerá por ora”, diz Kawai Jr. Com o fornecimento vindo em grande parte de
térmicas, o preço da energia deve subir, em média, 40% para os consumidores.
Chuvas –
Um relatório da XP Investimentos, baseado em dados do próprio ONS, mostrou que
o regime de chuvas brasileiro está mudando. Segundo Guilherme Villani, o
aquecimento do Pacífico Sul e do Atlântico Sul ocorreu em uma velocidade maior
e mais intensa do que o esperado no ano passado, antecipando para janeiro a
formação de massas de ar seco no Sudeste e Nordeste, principalmente. Com isso,
as precipitações em janeiro, fevereiro e março de 2014 ficaram bem abaixo da
expectativa e o sistema elétrico foi prejudicado. Villani destaca que a Empresa
de Pesquisa Energética (EPE) não havia incorporado em suas previsões e
planejamentos eventos climáticos extremos como estes e, por isso, acredita que
a necessidade de racionamento de energia por déficit de abastecimento é cada
vez mais provável em 2015.
Walter
Fróes, diretor-geral da CMU Comercializadora de Energia, concorda com essa
tese. Ele explica que não há outra alternativa, dada a situação desfavorável,
senão um racionamento de energia. “O setor precisa de racionalidade. Não dá
mais para fingir que não existe o problema. É preciso enfrentá-lo”, afirma.
Muito do
que o país vive hoje se deve à falta de planejamento e investimentos no setor,
segundo Walfrido Victorino Ávila, diretor-presidente da Tradener, empresa de
comercialização de energia do Paraná. “Dava para saber que teríamos um período
difícil em algum momento. Passamos oito anos seguidos de chuvas acima da média
e já estamos a três anos com escassez. Mas ninguém se preocupou”, disse.
Ele é
enfático ao dizer que se o Brasil quiser crescer, é preciso resolver a questão
da matriz energética. Uma saída seria aumentar o tamanho dos reservatórios das
usinas hidrelétricas que serão construídas daqui em diante – as que estão quase
prontas para entrar no sistema não têm lugares grandes para armazenar. “Não
adianta ter um sistema hidráulico que só funciona bem na época de chuvas.” A
construção de mais térmicas seria uma alternativa para o curto e médio prazo,
mas só grandes investimentos em fontes de energias alternativas, como eólica,
solar e biomassa, pode ajudar no longo prazo.
Naiara Infante Bertão - Veja.com
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