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General de Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas |
Daqui a
alguns anos, quando historiadores olharem para trás e se debruçarem sobre a
derrocada do petismo e a ascensão de Jair Bolsonaro, talvez se faça justiça a
um personagem desse período tão conturbado da política brasileira: o general
Eduardo Villas Bôas, de 67 anos.
O
comandante do Exército deixou o posto na quarta-feira (2), após quatro anos
sendo a voz, olhos e ouvidos de uma força que reúne cerca de 220 mil militares.
Entrou para história, literalmente, sem nenhum exagero. Há quem diga que fará
falta pelas palavras de moderação e bom senso durante a recente crise política
e econômica do Brasil.
Durante sua
gestão, Villas Bôas demonstrou ser antes de tudo um legalista, defensor número
um da Constituição Federal e das leis que garantem a democracia no país.
Mostrou como se deve agir até mesmo ao Supremo Tribunal Federal (STF), que vez
ou outra dá seus tropeços ao tentar interpretar a carta magna.
Cabeça e ao
mesmo tempo coração, o general gaúcho de quatro estrelas não se deixou levar
por tentações autoritárias vindas da caserna e de meios políticos – de esquerda
e de direita, é bom que se diga.
Em diversas
aparições públicas, mesmo nos momentos mais graves da convulsão política que
arrastou o país para a lama, Villas Bôas sempre refutou qualquer hipótese de
intervenção das Forças Armadas que rompesse com a ordem democrática – e falava
isso claramente, com todas as letras. Uso da força? Só em defesa da
Constituição.
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militar”, disse Villas Bôas no auge da crise do governo Temer
Tinha o
“corpo fechado” para qualquer sanha golpista num país que se acostumou ao longo
da história a ver homens de coturno virando a mesa e interferindo de forma
violenta nos rumos da nação. Ele não, jamais sujaria sua farda.
Com mais de
50 anos de carreira, Villas Bôas vivenciou todo o período que se convencionou
chamar de ditadura militar (1964-1985). As feridas abertas pela desgastante
luta contra um inimigo doméstico, com emprego de métodos de tortura e violação
de garantias individuais, nunca cicatrizaram.
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General Villas Bôas e General Hamilton Mourão, Vice-Presidente da República |
As Forças
Armadas jamais se conformaram com o julgamento moral da opinião pública que os
transformou em vilões. Logo eles que, em 1964, atenderam aos anseios da
sociedade por uma resposta militar ao suposto “perigo comunista” que ameaçava a
democracia brasileira.
Os mesmos
pedidos de intervenção que ecoaram pelas ruas das grandes capitais brasileiras
de 2015 para cá. Mas o trauma deixado por 21 anos no poder permanecia vivo.
Villas Bôas sempre soube que a solução para a crise não viria pelas armas e sim
com uma vigilância profunda sobre as instituições e seus personagens. Essa era
sua doutrina: “devemos ser protagonistas silenciosos”, disse o general em
palestra, em março de 2017. E assim foi.
Portador de
uma doença degenerativa no neurônio motor, que afetou sua capacidade de
caminhar e até mesmo de falar, com dificuldades de respiração, Villas Bôas se manteve
impávido no cargo até o último dia.
Os últimos
meses e anos foram particularmente mais difíceis. Ele se viu obrigado a usar
cadeira de rodas e um respirador auxiliar, equipamentos visíveis em cerimônias
públicas.
Como era
possível um comandante de tropas deixar transparecer tamanha fragilidade?
Villas Bôas nunca ligou para vaidades. Como bom militar que é, pensava apenas
em cumprir com o seu dever.
Nem por um
momento cogitou desistir da última missão. “O que está em pé e muito vivo hoje
é minha mente, além dos princípios e valores aprendidos no Exército desde a
minha adolescência”, disse em entrevista à Folha de São Paulo, em janeiro de
2018.
Nascido em
Cruz Alta (RS), Eduardo Dias da Costa Villas Bôas entrou para o Exército em
1967 e foi promovido a general quatro estrelas – o mais alto posto da
hierarquia militar – em julho de 2011.
Quatro anos
depois, pelo critério de antiguidade e pelas mãos da ex-presidente Dilma
Rousseff, assumiu o comando do Exército Brasileiro – um cargo prestigioso, mas
que nos últimos 30 anos havia perdido relevância diante da opinião pública.
A política
no Brasil não ia nada bem. As jornadas de junho de 2013, quando milhares de
brasileiros protestaram contra governos, políticos e partidos, abalando o
centro do poder em Brasília, e a Operação Lava Jato, que a partir de 2014 expôs
a corrupção brasileira de um modo nunca antes visto, já estava em curso. Havia
uma agitação nas ruas.
Mas essas
preocupações passavam ao largo dos objetivos de Villas Bôas no comando do
Exército. Cuidar das fronteiras, equipar as Forças Armadas e atuar, quando
necessário, no combate à violência urbana eram as prioridades elencadas pelo
militar em entrevista à Rádio Gaúcha, em 2015. Mal sabia ele o que estava por
vir.
A
conturbada reeleição de Dilma, o processo de impeachment, a prisão de grandes
políticos e empresários, e a condução coercitiva do ex-presidente Lula se
seguiram e alimentaram um sentimento de indignação do povo brasileiro contra a
corrupção que pedia, em protestos de rua, pela volta do regime militar.
No auge da
crise que culminou no afastamento de Dilma, em 2016, coube a Villas Bôas o
papel de apaziguar os ânimos daqueles que defendiam uma intervenção das Forças
Armadas, a exemplo do que ocorreu em 1964. O general foi firme, disse que o
Exército defendia “a manutenção da democracia, a preservação da Constituição e
a proteção das instituições”. “Desde 1985 não somos responsáveis por
turbulência na vida nacional e assim vai prosseguir. O emprego das nossas
forças será sempre por iniciativa de um dos poderes [Executivo, Legislativo e
Judiciário]”, afirmou, na ocasião.
Já no
governo Michel Temer, os escândalos de corrupção entre auxiliares próximos do
presidente, como o caso JBS, e tentativas de desmontar a Lava Jato, causavam
desconforto na caserna. De tal modo que o até então desconhecido general
Hamilton Mourão, auxiliar e amigo de Villas Bôas, tornou pública a
insatisfação, em setembro de 2017.
“Ou as
instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando
da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós
teremos que impor isso”, afirmou Mourão, durante palestra em uma loja maçônica.
“Os poderes terão que buscar uma solução, se não conseguirem, chegará a hora em
que teremos que impor uma solução e essa imposição não será fácil, ela trará
problemas”, prosseguiu o atual vice-presidente da República.
As
declarações repercutiram mal entre os políticos e o comandante do Exército se
viu obrigado a punir Mourão, afastando-o do cargo que exercia. Mas não sem
antes contemporizar as declarações do colega de farda. Cinco meses depois,
Mourão entraria para a reserva, numa cerimônia prestigiada por Villas Bôas.
A paciência
do general com a crise chegava a seu limite. Em abril de 2018, na véspera do
julgamento de um habeas corpus preventivo no Supremo Tribunal Federal (STF) que
poderia livrar o ex-presidente Lula da cadeia, o comandante do Exército fez postagens
no Twitter que causaram rebuliço.
“Nessa
situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem
realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está
preocupado apenas com interesses pessoais?”, indagou Villas Bôas. “Asseguro à
Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os
cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz
social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões
institucionais”, completou.
Os tuítes
foram interpretados como uma tentativa de intimidar os ministros do STF, para
que não revissem o entendimento de que condenados em segunda instância
judiciais devem começar a cumprir a pena imediatamente, caso de Lula, condenado
duas vezes no caso do tríplex do Guarujá.
Àquela
altura, mandar Lula para cadeia significava tirá-lo das eleições e atender ao
anseio de boa parte dos brasileiros, que viam no ex-presidente petista a
encarnação da corrupção na política.
Ameaçado ou
não, o STF decidiu no dia seguinte, por 6 votos a 5, manter a prisão em segunda
instância e recusar o habeas corpus, com as consequências que todos conhecemos.
Dois meses
atrás, em entrevista à Folha de S. Paulo após a vitória de Jair Bolsonaro nas
urnas, Villas Bôas deu a entender que pretendia “intervir” caso o Supremo
livra-se Lula da cadeia. “Temos a preocupação com a estabilidade, porque o
agravamento da situação depois cai no nosso colo”, disse. “É melhor prevenir do
que remediar”, resumiu.
Entre os
vários elogios dispensados aos militares na posse do novo ministro da Defesa e
dos novos comandantes das Forças Armadas, na quarta-feira (2), o presidente
Jair Bolsonaro dedicou uma fala especial ao general Villas Bôas.
Disse que o
comandante do Exército era “um dos responsáveis” por ele ter chegado à
Presidência da República, citando uma misteriosa conversa que ambos tiveram. “O
que já conversamos fica entre nós”, disse Bolsonaro, demonstrando uma eterna
gratidão que marejou os olhos do velho oficial.
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General Villas Bôas com os olhos marejados, com os elogios do seu Comandante-em-Chefe |
Oficiais,
questionados sobre o real significado da fala enigmática de Bolsonaro, apenas
disseram que ele queria se dizer agradecido pelo papel de Villas Bôas,
recusando a ideia de tutela militar sobre o novo governo.
Com
coragem, disciplina e fisioterapia, o general se manteve firme no comando do
Exército até a despedida do posto. Passou o bastão para o colega de farda Edson
Leal Pujol, de 63 anos. Militares presentes fizeram fila para cumprimentá-lo –
um reconhecimento pelos incalculáveis serviços prestados à democracia
brasileira.
Fonte: Gazeta do Povo