Sempre olhei os triciclos tradicionais que vemos no Brasil,
com certa restrição. Primeiro, pelo tamanho. Depois, pela posição da roda
dianteira. No conjunto, não conseguia ver atrativos no veículo.
Mas ao participar do Daytona Bike Week por vários anos, pela
proximidade com minha casa em Ocala, Flórida, observei vários triciclos
construídos a partir de uma motocicleta convencional e sempre achei que
deveriam ser gostosos de pilotar. Os modelos que me atraiam mais eram aqueles
convertidos da Honda Gold Wing.
Depois pude observar os triciclos convertidos a partir de
modelos da Harley-Davidson, que começaram a rodar pelas estradas americanas em
grande número, a partir dos anos 1990.
Quando a Harley-Davidson anunciou o lançamento do Tri Glide
Ultra Classic em Julho de 2008, meu interesse aumentou exponencialmente.
Assim, resolvemos que a nossa viagem de férias de 2012 seria realizada em um Tri Glide. Percorremos 6.200 km por oito estados do noroeste dos Estados Unidos,
cruzando as Montanhas Rochosas por duas vezes (sentido leste-oeste e
vice-versa). O relato detalhado da viagem está postado no blog, a partir de 10/9.
Desenvolvido pela Lehman Trikes, o Tri
Glide é baseado no quadro da Ultra Classic Electra Glide e muito similar em
vários componentes.
É equipado com o morcegão desenhado por Willie G. Davidson e
tem todos os instrumentos e comandos encontrados na Electra Glide. A única
diferença é o botão de acionamento da marcha-à-ré.
O piloto tem uma posição bem confortável no Tri Glide, que
oferece também muito conforto para o garupa. A Rô afirma, inclusive, que é um pouco mais confortável do que a Ultra Glide.
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2012 Harley-Davidson Tri Glide Ultra Classic |
O modelo que pilotei vem equipado com um parabrisa mais
alto, que oferece boa proteção . O espaço de bagagem é bem generoso, com um
bagageiro com capacidade de 126 litros, além do Tour-Pak com capacidade para 64
litros. Isto representa um aumento de 48%, se comparado com a Ultra Glide.
O motor é um V-Twin de 103 polegadas cúbicas (1.688 cc),
transmissão com 6 marchas e torque de 13,8 m kgf a 3.500 rpm.
O tanque de combustível é de 6 galões (22,7 litros) e o peso
em ordem de marcha é de 540 kg ou 127 kg mais pesado do que a Ultra
Glide.
Os primeiros dias
Chegamos na Apol’s Harley-Davidson de Alexandria, Minnesota,
por volta das 15:00 horas, vindos do Aeroporto Internacional Minneapolis-St.
Paul. O Tri Glide já estava preparado, com tanques cheios, à nossa espera. Tratava-se
de um modelo 2012, já com mais de 12.000 km rodados. Portanto, totalmente
amaciado.
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O revendedor H-D de Alexandria, Minnesota. |
Entretanto, depois de assinar os
documentos (registro, contrato de locação, seguro, etc.), fomos colocados (eu e
a Rô) na sala de estar do revendedor, para assistir o vídeo produzido pela Harley-Davidson e que nos dá as
informações básicas sobre a pilotagem do Tri Glide. Depois, tivemos que assinar
uma declaração de que havíamos assistido e compreendido o conteúdo do vídeo.
Estes procedimentos são importantes e esperados, já que o revendedor ou a
Harley-Davidson não tem como se assegurar de que o locatário do veículo está
capacitado a conduzir o Tri Glide. Afinal, no Brasil a CNH é a mesma para um
piloto de CG 125 ou para outro que vai pilotar uma pesada touring com motor de
1800 cilindradas.
Cumpridas as formalidades, o Assistente Técnico da revenda nos encaminhou para o pátio e nos explicou todos os comandos do Tri Glide, com
ênfase no freio de estacionamento e no acionamento da marcha-à-ré. Em seguida,
convidou-me a subir na motocicleta e dar uma volta pelo estacionamento, para que eu pudesse sentir as diferenças entre o Tri Glide e
a Ultra Glide.
Eu tinha duas preocupações, provenientes das muitas vezes em
que assistí o vídeo produzido pela H-D e outros que encontrei no YouTube: não
colocar os pés no chão (perigo de ser esmagado pela roda trazeira) e
concientizar-me da largura do Tri Glide, em especial ao parar nas bombas de
gasolina, para reabastecimento. Havia, inclusive, pedido à Rô que me alertasse
desses dois pontos. A Rô, como bem sabem aqueles que a conhecem, é uma
excelente co-piloto, além de exímia fotógrafa.
Muito me ajuda durante nossas viagens, em vários aspectos, seja de
motocicleta ou de carro.
Mas não tive dificuldade em ajustar o meu cérebro para isso. Adaptei-me imediatamente ao Tri Glide. Saímos da revenda e fomos dar
umas voltas na cidade, para nos acostumar. Alexandria é uma cidade pequena, mas
como quase todas as cidades americanas que conheço, com ruas largas, bem
pavimentadas/sinalizadas e com habitantes que seguem as regras de trânsito. A
transição foi tranquila.
No dia seguinte, 11 de Setembro, demos início à nossa viagem
de 17 dias e 3800 milhas.
Nas Rodovias
Nos primeiros dois dias e 870 km rodados, pegamos muito vento
lateral. Ainda que tenha sido desagradável, foi muito conveniente para
testarmos como o Tri Glide se comporta nesta situação. A conclusão é que foi
aprovado com louvor.
Os efeitos provenientes de vento lateral, com rajadas, é
bastante sentido numa motocicleta e aumentados ao ultrapassarmos uma carreta.
Com o Tri Glide, tais efeitos são bastante minimizados, dando-nos uma
tranquilidade maior, na pilotagem.
Pilotar o Tri Glide em rodovias é muito agradável. O
amortecedor de direção ajuda a manter o veículo alinhado na
estrada e o controle automático de aceleração (cruise control) é muito
eficiente. O motor de 1700 cc manteve a velocidade de cruzeiro ( 75 milhas/hora
ou 120 km/h), sem redução nas ondulações do terreno.
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Paisagem típica das pradarias americanas. Ao fundo, as Montanhas Rochosas. |
O ponto negativo nestes primeiros dias foi o consumo.
Explico: abastecí o Tri Glide com gasolina de 87 octanas, a mesma que usei nas viagem anteriores que fiz nos Estados Unidos. Entretanto, desde o início de
2012 esta gasolina vem aditada com 10% de etanol, na maioria dos postos. Com
isto, o consumo aumentou e conseguimos meros 10,23 km/litro. Muito abaixo do
anunciado pela Harley-Davidson, de 20 km/l e autonomia de 391 km. A melhor autonomia que conseguí foi de 210 km, com reserva de 3,8
litros no tanque. Em outras palavras, se rodasse até o combustível acabar,
teria feito 250 km, no máximo. Mas temos que considerar que a maior parte da nossa viagem foi feita em altitudes acima dos 2000 metros.
Manobrar o Tri Glide na cidade demonstrou-se ser
muito agradável. Depois de me acostumar com o guidão, manobras nas áreas de
estacionamento, postos de gasolina e garagens foi tranquila.
A marcha-à-ré é
muito conveniente.
Operada por um motor elétrico, a ré exige que o motor da
motocicleta esteja funcionando (para não exaurir a bateria) e a transmissão
esteja em neutro. Aí, aciona-se o botão superior, que liga a ré, e usa-se o
botão inferior para dar movimento. A pressão neste botão é irrelevante, pois a
ré tem uma única velocidade. Depois do pequeno movimento súbito de quebra de
inércia, o Tri Glide movimenta-se suavemente. Após alguns usos, fiquei bastante
acostumado com sua operação.
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Botão de acionamento da marcha-à-ré. |
Para evitar queima do motor ou superaquecimento da bateria,
a ré é equipada com um fusível reversível, que desarma se a ré for acionada com
o freio de estacionamento aplicado (aconteceu comigo, uma vez) ou se o aclive
for muito forte. Se desarmar, a única coisa que temos que fazer é abrir a tampa
lateral direita, atrás do motor, e rearmar o fusível.
Nesta altura da viagem, já podíamos elogiar algumas
características do Tri Glide. Em
primeiro lugar o generoso espaço de bagagem. Isto foi importante, pois
levávamos roupa para inverno, que ocupam muito espaço. Apesar de estarmos no
último mês do verão no hemisfério norte (equivalente a Março, para o Brasil),
estamos a alguns milhares de metros acima do nível do mar. As temperaturas
variavam, em média, de zero graus Celsius ao amanhecer, até 28 graus à
tarde. Rodar a 120 km/hora em
temperaturas bem baixa podem causar hipotermia, com resultados perigosos. Mas
estávamos bem equipados e o frio não foi um problema na viagem. Ademais, com
umidade relativa do ar muito baixa (entre 20% e 35%, durante todo o percurso),
a sensação términa era bastante suportável.
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O espaço para bagagem é 48% maior no Tri Glide, comparado com a Ultra Glide (190 litros x 128 litros).
O manual recomenda um peso máximo de 80 lbs ou 36 kg de bagagem. |
Nos poucos dias em que encontramos temperaturas mais
elevadas (uns dois dias de 30-32 graus), notamos que o motor aquecia bastante.
Mas bastava abrir a ventilação dos pés nos “fairings” e direcionar as
ventarolas do morcegão e o calor do motor era dissipado, sem problema.
Na opinião da Rô, o motor do Tri Glide esquenta menos que a Ultra
Limited 2012 que pilotamos no ano passado. Não observei o desligamento do
pistão traseiro, mas não estivemos em nenhum congestionamento.
Nos dias seguintes mudei o combustível, passando a usar
gasolina de 91 octanas, sem etanol. O consumo melhorou gradativamente,
atingindo 11,6 km/litro no primeiro dial, diminuindo o consumo até atingir 15
km/litro, o melhor resultado. Muito longe do anunciado pelo fabricante, entretanto.
As estradas com curvas
Nossa primeira grande prova foi enfrentada no dia 18/9, quando fomos
de Missoula, Montana até Clarkston, Washington, através do Clearwater National
Forest. Situado nas Montanhas Rochosas, a estrada US 12 está traçada sobre o antigo
caminho de tropeiros e caçadores de pele, descoberto pelos desbravadores Meriwether Lewis e William Clark, em 1805. Seguindo o curso do Clearwater River, são 160 quilômetros de estradas sinuosas, com curvas bem marcantes.
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Trecho da US 12 na Clearwater National Forest, ao longo do Rio Clearwater.
A névoa é formada pela fumaça de três incêndios florestais. |
Durante todo o trajeto pela US 12, mantive meu padrão de pilotagem, que é obedecer os limites de velocidade máxima. Da mesma forma que eu não excedo o limite, procuro manter a motocicleta na velocidade máxima permitida, de forma a ter uma marcha consistente durante os trechos. Na US 12, o limite varia entre 55 mph e 65 mph (entre 80 e 100 km/h). Em algumas curvas mais acentuadas, a velocidade máxima reduz para 45 mph (70 km/h).
Executei todas as curvas dentro do limite recomendado e o Tri Glide comportou-se extremamente bem.
Nos primeiros quilômetros, senti certa dificuldade nas curvas mais fortes, mas logo descobri a razão. Eu estava usando só um braço para pilotar. Explico: usava o braço para empurrar o guidão, com a outra mão só apoiada na manopla. Logo descobri que a maneira correta é utilizar os dois braços em alavanca, ou seja, um braço empurra o guidão e o outro puxa. Com isto, o esforço necessário para fazer a curva é extremamente diminuído. Claro, quando mais acentuada for a curva e/ou maior a velocidade, um maior esforço é necessário.
A aproximação das curvas deve seguir o mesmo preceito que utilizamos ao pilotar uma motocicleta: uma ligeira redução antes da curva e fazê-la em aceleração. A resposta do Tri Glide à redução da aceleração, para ajustagem de velocidade nas curvas é bem positiva. Diminuímos a pressão no acelerador e a velocidade e pressão no guidão diminuem bastante. Não passei nenhum susto.
Quando chegamos em Kooskia, Idaho, 200 km depois, fizemos uma parada para abastecimento, lanche e avaliação da experiência. A conclusão foi que o Tri Glide comporta-se muito bem nas curvas, o esforço no guidão não é exagerado e a sensação de pilotagem é boa. Claro, perde-se toda a beleza das curvas feitas numa motocicleta, com o conjunto piloto/máquina inclinando-se para executar a manobra. Mas, não se pode ter o melhor de dois mundos. A Rô relatou que sua posição, como garupa, foi confortável e sem inconveniente durante as curvas.
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1600 m acima do nível do mar. |
No sexta-feira
21/9 e no sábado
22/9, fizemos a prova de fogo de pilotagem em curvas.
Tornamos a cruzar as Montanhas Rochosas, desta vez no sentido oeste-leste.
Saimos de Idaho Falls, Idaho até Thermopolis, Wyoming, através do Grand Teton National Park e do Soshone National Park, na sexta. No sábado fomos de Thermopolis até Sundance, Wyoming, através da Bighorn National Forest.
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Aguardando autorização de passagem, num trecho em obras nas Montanhas Rochosas.
Temperatura de 6° Celsius. |
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2900 m acima do nível do mar. Estava frio . . . |
As estradas percorridas foram a US 26 e a US 16, ambas com suas subidas e descidas em angulos pronunciados de aclive e declive (entre 7% e 10%) e curvas muito mais acentuadas do que aquelas que percorremos na Clearwater National Forest.
Nos dois trechos de montanhas (140 km e 100 km, respectivamente - variação de altitude de 1400 m a 3000 m), o Tri Glide foi testado mais rigorosamente. Além das curvas bem pronunciadas, tivemos que pilotar em aclives e declives onde o gerenciamente das marchas era muito importante. Com isto, minhas mãos eram duplamente solicitadas, tanto para exercer a pressão no guidão para fazer as curvas, como acionando a embreagem e ajustando a aceleração. Esta é a grande diferença entre pilotar um Tri Glide e uma motocicleta convencional.
Nos declives, cuidei ainda de usar as marchas mais baixas, aproveitando o torque do motor V-Twin, evitando o aquecimento demasiado dos freios e sua perda de eficiência.
Conclusão
O consumo de combustível, medíocre nos primeiros dias, melhorou bastante no decorrer da viagem. Isto foi o resultado da troca da gasolina utilizada (87 octanas com 10% de etanol x 91 octanas, sem álcool) e do melhor gerenciamento do acelerador e das marchas. O melhor resultado foi de 15 km/l, o que é bastante bom num motor de 1700cc, com mais arrasto aerodinâmico e operando sempre acima dos 1400m de altitude. Tenho certeza que ao nível do mar o consumo seria bem melhor.
O Tri Glide não vem equipado com freios ABS. Não tive nenhuma situação em que pudesse testar a necessidade de ABS. É fundamental a utilização dos freios dianteiros e traseiros, nas frenagens. Pesando 127 kg a mais, com dois adultos e bagagem para 3 semanas, os freios tem que parar uma massa respeitável.
Não fiquei bem impressionando com a eficácia dos freios traseiros. Como o Tri Glide já estava com cerca de 12.000 km rodados, no início da viagem, não sei qual tinha sido a última revisão feita e como estavam as pastilhas de freio nas rodas traseiras.
O uso do freio de estacionamento é recomendável em condições gerais e necessário em caso de estacionamento em declives. No plano, a marcha engatada em primeira é suficiente para manter o trike na posição. Leva algum tempo até nos acostumarmos com esta manobra adicional, ao dar partida no Tri Glide. Depois, vira rotina.
O controle da marcha-à-ré é bem posicionado e sua utilização é muito conveniente. Realmente uma necessidade e a decisão da Harley-Davidson de colocá-la como equipamento original foi excelente.
Para os iniciantes na pilotagem de motocicletas de grande porte, as dificuldades de adaptação serão as mesmas, tanto no Tri Glide como numa touring.
Para os pilotos intermediários, já com alguma experiência, a adaptação será um pouco mais lenta, requerendo uma concentração maior do piloto, durante os primeiros dias na estrada.
Para os pilotos experientes, acredito que a transição será rápida e tranquila. Para aqueles que gostam de pilotar em velocidade, o Tri Glide pode dar alguns sustos. Mas, convenhamos, velocidade e motocicleta touring não combinam, não é mesmo?
O preço básico sugerido para o modelo 2013, nos Estados Unidos, é de US$31.000,00. Isto representa US$9.200 a mais do que uma Ultra Classic Electra Glide ou US$6.600 menos que uma CVO Ultra Glide.
Pilotar o Harley-Davidson Tri Glide Ultra Classic 2012 durante 17 dias e 6200 km foi uma experiência muito boa. Se eu ainda morasse nos Estados Unidos e fosse trocar minha Ultra Glide, com certeza compraria um Tri Glide.
No Brasil vai depender muito de quando estará disponível e a qual preço será oferecido ao mercado. Se a Harley-Davidson trouxer os Tri Glides no mesmo nível de preço das CVOs, eu procuraria outra alternativa, como converter minha Ultra Glide 2007 importando um kit da Lehman Trikes, por exemplo.