Eu não
trato de política neste blog.
Não o escrevo há cinco anos como canal para
expressar minhas convicções políticas.
Nem mesmo para exteriorizar minha repúdia e repugnância pela
maneira como encontrei meu país sendo conduzido, quando regressei em Janeiro de
2006 depois de passar dez anos no exterior.
Uso
outras mídias para isto. Procuro salvaguardar este espaço para outras
conversas.
Mas os
momentos e fatos recentes tem provocado uma revolta muito forte dentro do meu
coração de brasileiro e me permito compartilhar com vocês o texto a seguir.
Não foi
escrito por mim, mas reflete totalmente o que sinto neste momento.
EU NÃO
ACEITO!
Por
Roberto DaMatta
(O
Globo, 6 de fevereiro de 2013)
Quando o
hígido Michel Temer vira poeta e Renan Calheiros — acusado pela Procuradoria
Geral da República de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso —
é apossado (com voto secreto — o voto da covardia) na presidência do Senado
Federal no posto número três da sucessão republicana e entra no papel dando uma
aula de ética e com apoio do PSDB, um lado meu pergunta ao outro se não estaria
na hora de sumir do Brasil.
Se não
seria o momento de pegar o meu chapéu e de deixar de escrever, abandonar o
ensino das antropologias, desistir do trabalho honesto, beber fel, tornar-me um
descrente, aloprar-me, abandonar a academia (de ginástica, é claro), deixar-me
tomar pela depressão, desistir de sonhar, aniquilar-me, andar de joelhos, dar
um tiro no pé, filiar-me a uma seita de suicidas, mijar sentado,
avagabundar-me, virar puxa-saco, fazer da mentira a minha voz; e — eis o
sentimento mais triste — deixar de amar, de imaginar, de ambicionar e de
acreditar. Abandonar-me a esse apavorante cinismo profissional que toma conta
do país — esse inimigo da inocência — porque minha quota de ingenuidade tem
sido destroçada por esses eventos. Eu não posso aceitar viver num país que
legaliza a ilegalidade, tornando-a um valor. Eu não posso aceitar um conluio de
engravatados que vivem como barões às custas do meu árduo trabalho.
“A ética
não é um objetivo em si mesmo. O objetivo em si mesmo é o Brasil, é o interesse
nacional. A ética é obrigação de todos nós e é dever deste Senado”, professa
Renan Calheiros, na sua preleção de po(s)se.
Para
ele, a ética, o Brasil, o dever, o interesse, e as obrigações são coisas
externas. Algo como a gravata italiana que chega de fora para dentro e pode ou
não ser usada. Façamos uma lei que torne todo mundo ético e, pronto!,
resolvemos o problema da cena política brasileira — esse teatro de calhordices.
A ética
não é a lei. A lei está escrita no bronze ou no papel, mas a ética está
inscrita na consciência ou no coração — quando há coração... Por isso ela não
precisa de denúncias de jornais, nem de sermões, nem de demagogia, nem da
polícia! A lei precisa da polícia, o moralismo religioso carece dos santarrões,
e as normas de fiscais. A ética, porém, requer o senso de limites que obriga a
mais dura das coragens: a de dizer não a si mesmo e, no caso desse Brasil
impaludado de lulopetismo, a de negar o favor absurdo ou criminoso à namorada,
ao compadre, ao companheiro, ao irmão, ao amigo.
“O Zé é
meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo!”, eis a cínica palavra de ordem de um
sistema totalmente aparelhado e dominado pelo poder feito para enriquecer que
usa, sem compostura, o toma lá dá cá com tonalidades pseudoideológicas,
emporcalhando a ideologia.
Quem é
que pode acreditar na possibilidade de construir um mundo mais justo e
igualitário no qual a esfera pública, tocada com honestidade, é um ideal, com
tais atores? Justiça social, honestidade, retidão de propósito são valores que
formam parte da minha ideologia; são desígnios que acredito e quero para o
Brasil. Ver essa agenda ser destruída em nome dos que tentaram comprar apoio
político e hoje se dizem vitimas de um complô fascista, embrulha o meu
estômago. Isso reduz a pó qualquer agenda democrática para o Brasil.
O cínico
— responde meu outro lado — precisa (e muito) de polícia; o ético tem dentro de
si o sentido da suficiência moral. Ela ou ele sabem que em certas situações
somente o sujeito pode dizer sim (ou não!) a si mesmo. Isso eu não faço, isso eu
não aceito, nisso eu não entro. É simples assim. A camaradagem fica fora da
ética cujo centro é o povo como figura central da democracia.
O que
vemos está longe disso. Um eleito condenado pelo STF é empossado deputado,
Maluf — de volta ao proscênio — sorri altaneiro para os fotógrafos, um outro
companheiro com um passado desabonado por acusações vai ser eleito presidente
da Câmara; a presidente age como a Rainha Vitória. E o Direito – o correto e o
honesto – vira “direita”.
Entrementes, a “esquerda” tenta desmoralizar a
Justiça porque não aceita limites nem admite abdicar de sua onipotência.
Articula-se objetivamente, com uma desfaçatez alarmante, uma crise entre
poderes exatamente pela mais absoluta falta de ética, esse espírito de limite
ausente dos donos do poder neste Brasil de conchavos vergonhosos e
inaceitáveis.
Você, leitor, pode aceitar e até considerar normal. Eu não aceito!!