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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Corte de energia traz de volta o fantasma do apagão


ONS desconectou unidades em 10 Estados e no DF para evitar grande blecaute com danos maiores – mas episódios como esse refletem problemas sistêmicos da matriz energética

Apagões foram necessários para evitar panes no sistema elétrico todo
O corte de energia que atingiu diversas cidades em dez Estados brasileiros e no Distrito Federal entre 14h55 e 15h45 desta segunda-feira poderia ter sido pior. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) precisou desconectar milhares de unidades consumidoras do sistema de fornecimento para evitar um blecaute muito mais amplo, que poderia deixar dezenas de milhões de brasileiros sem energia por mais de quatro horas, e causar imensos transtornos no trânsito, transportes públicos, hospitais, escolas e na atividade industrial, e ainda danificar a infraestrutura de geradores de energia, entre outros desastres. 

Os problemas causados nos desligamentos pontuais, como o que aconteceu desta vez, são menos danosos do que em um grande blecaute, que pode demorar horas para ser revertido. Mas os danos menores não escondem falhas que refletem problemas sistêmicos da nossa matriz energética – e podem fazer o país voltar a conviver com o fantasma do apagão.

Cortes são automaticamente programados para acontecer caso haja um desequilíbrio grande entre a geração e o consumo de energia. Assim que o risco de uma pane cresce, a frequência de transmissão de energia para algumas áreas é reduzida a menos de 60 Hz (frequência habitual). Instantaneamente essas áreas, previamente selecionadas pelo ONS junto com as distribuidoras, são desconectadas do sistema elétrico nacional. Aos poucos, o religamento é feito e distribuição volta ao normal – o tempo médio de desligamento é de aproximadamente uma hora. Procedimentos desse tipo podem ser adotados em diversas circunstâncias, como em picos de consumo que não conseguem ser rapidamente supridos pelo aumento da oferta.


O ONS ainda não divulgou o motivo principal do corte desta segunda, embora o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, tenha atribuído o problema a uma falha numa rede de transmissão.

Especialistas ouvidos pelo site de VEJA, porém, acreditam que os cortes estejam, sim, relacionados ao pico de consumo, argumento plausível em pleno verão. Com temperaturas acima de 30 graus Celsius e pouca chuva, crescem as vendas de aparelhos de ar condicionado e ventiladores. O horário também contribuiu: se antes o pico de consumo de eletricidade se dava entre 17 horas e 20 horas, quando o brasileiro chegava do trabalho, hoje ele mudou para entre 15 horas e 16 horas, quando os aparelhos de ar condicionado estão ligados em sua potência máxima nos escritórios e residências pelo país.

A questão não é apenas o desligamento pontual de algumas unidades consumidoras por uma hora, mas a frequência com que esses episódios podem ocorrer daqui para frente.

Sistema – O Brasil vive um problema sistêmico. Nossa matriz energética é baseada em usinas hidrelétricas que, há 20 anos, conseguiam armazenar água suficiente para gerar energia por até cinco anos caso o país passasse por um período de seca. Hoje, porém, por questões ambientais, os reservatórios das novas usinas são bem menores, do tipo fio d’água, e a nossa "independência" das chuvas é de menos de seis meses. Para completar o fornecimento em casos de baixos índices pluviométricos, foram construídas, desde 2001, usinas térmicas.

Seu objetivo era, inicialmente, trabalhar por períodos curtos, de forma emergencial. Porém, com a mudança no regime de chuvas, desde o início de 2014 praticamente todas as térmicas (são mais de 1.000) estão ligadas para tentar preservar o nível dos reservatórios. No principal subsistema nacional, o Sudeste/Centro-Oeste, as reservas já despencaram para 18,27%. Para dar conta da demanda, algumas térmicas foram obrigadas a adiar sua manutenção periódica, o que prejudica seu pleno funcionamento. Nesta semana, veio à tona a notícia de que a maior usina a óleo, Suape II (Pernambuco) precisou reduzir em 94% sua produção de energia, depois que uma pane grave ocorreu em suas máquinas. O parque vinha trabalhando em sua capacidade máxima, de 381,2 megawatts (MW), suficiente para abastecer uma cidade de 2 milhões de habitantes – uma Curitiba (PR) inteira. Hoje ela só está conseguindo gerar 22 MW.

O diretor-executivo da Safira Energia, Mikio Kawai Jr., explica que o cenário em 2014 foi o pior desde 1955 e, para atender à demanda atual, as termoelétricas deverão permanecer ligadas durante todo o ano de 2015, aumentando consideravelmente o custo de geração de energia por serem bem mais caras do que as hidrelétricas. “Para estancar a crise, seria necessário chover o acumulado igual ou superior à média histórica de 80% da MLT (média de longo termo), o que não acontecerá por ora”, diz Kawai Jr. Com o fornecimento vindo em grande parte de térmicas, o preço da energia deve subir, em média, 40% para os consumidores.

Chuvas – Um relatório da XP Investimentos, baseado em dados do próprio ONS, mostrou que o regime de chuvas brasileiro está mudando. Segundo Guilherme Villani, o aquecimento do Pacífico Sul e do Atlântico Sul ocorreu em uma velocidade maior e mais intensa do que o esperado no ano passado, antecipando para janeiro a formação de massas de ar seco no Sudeste e Nordeste, principalmente. Com isso, as precipitações em janeiro, fevereiro e março de 2014 ficaram bem abaixo da expectativa e o sistema elétrico foi prejudicado. Villani destaca que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) não havia incorporado em suas previsões e planejamentos eventos climáticos extremos como estes e, por isso, acredita que a necessidade de racionamento de energia por déficit de abastecimento é cada vez mais provável em 2015.



Walter Fróes, diretor-geral da CMU Comercializadora de Energia, concorda com essa tese. Ele explica que não há outra alternativa, dada a situação desfavorável, senão um racionamento de energia. “O setor precisa de racionalidade. Não dá mais para fingir que não existe o problema. É preciso enfrentá-lo”, afirma.

Muito do que o país vive hoje se deve à falta de planejamento e investimentos no setor, segundo Walfrido Victorino Ávila, diretor-presidente da Tradener, empresa de comercialização de energia do Paraná. “Dava para saber que teríamos um período difícil em algum momento. Passamos oito anos seguidos de chuvas acima da média e já estamos a três anos com escassez. Mas ninguém se preocupou”, disse. 

Ele é enfático ao dizer que se o Brasil quiser crescer, é preciso resolver a questão da matriz energética. Uma saída seria aumentar o tamanho dos reservatórios das usinas hidrelétricas que serão construídas daqui em diante – as que estão quase prontas para entrar no sistema não têm lugares grandes para armazenar. “Não adianta ter um sistema hidráulico que só funciona bem na época de chuvas.” A construção de mais térmicas seria uma alternativa para o curto e médio prazo, mas só grandes investimentos em fontes de energias alternativas, como eólica, solar e biomassa, pode ajudar no longo prazo.

Naiara Infante Bertão - Veja.com

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