Os recentes
acontecimentos em todo o País, nos quais a ferocidade de lideranças sindicais
na greve dos rodoviários de Porto Alegre se insere, mostram que a face mais
perturbadora das manifestações de junho do ano passado não só se mostrou mais
cruel, como deve se tornar cada vez mais sombria. De um lado, temos grupos mais
radicais, de outro, uma certa complacência generalizada por parte dos atores
oficiais para com ela.
A cada dia
notamos que parte crescente da população começa a exigir a Lei do Talião, exigência
cuja forma é cada vez mais radical. Ou seja, um efeito de violência extremada
contra violência extremada, um caminho que, ao fim e ao cabo, é como flertar
com o inferno. Isto é, combater o desastre com outro desastre.
Estes
momentos comportam-se como a água de um rio, que aos poucos vai preenchendo
todos os espaços vazios que encontra. A grande verdade é que os governos estão
atemorizados e cochicham mensagens de prudência também radical, cujo teor é
basicamente um “vamos deixar como está para ver como fica, nem que isso
signifique o pior dos cenários”. Por quê? Porque estão despreparados, porque
não se organizaram para emergências, emergências que, de pontuais, passaram a
ser um estado permanente de desobediência civil. A resposta mais ousada que fizeram
até agora foi criar forças-tarefas ou grupos de trabalho, que, na maioria das
vezes, servem apenas para fabricar toneladas de textos, meras cartas de
intenção.
O
Ministério da Justiça analisa há três meses — um segundo, em termos de
velocidade oficial — um documento elaborado por juristas a pedido do secretário
de Segurança do Rio de Janeiro, José Alberto Beltrame. Entre outros pontos,
propõe a proibição do uso de máscaras em manifestações públicas de qualquer
natureza. O problema é que estamos confundindo temor com prudência, uma linha
bem definida que grandes estadistas conhecem muito bem. Falta-lhes coragem no
enfrentamento do problema, mas não a coragem louca, suicida. Como disse o
notável tribuno Gaspar da Silveira Martins, quem está montado na razão não
precisa de esporas. De fato, não se bivaqueia nas margens do Rubicão.
Eis o
fulcro: respostas lentas para assuntos urgentes. E quando são rápidas, são
medidas de afogadilho, do tipo serviço rápido e mal feito. Ocorre que lá atrás
esse enorme organismo inchado descuidou dos sinais de alerta. Avisos até
existiram, mas a costumeira arrogância e autossuficiência desse ente
anabolizado, agravada pela complicada cadeia de comando, não os percebeu, até
porque os cargos que requerem especialistas foram preenchidos por companheiros
de safári. Então é improvável que esse ente inchado e artrítico vá ter
desempenho de atleta numa corrida de obstáculos. Mas deveria tê-lo, afinal,
foram eleitos para isso.
A questão
toda é, de novo, que vivemos uma escalada assustadora de violência. Hoje, foi o
assassinato de um cinegrafista, amanhã será uma vítima inocente, cujo status
social não o guindará para os holofotes da mídia. Enquanto isso ocorre, o tão
decantado direito de ir e vir será miragem. Ou seria pedir demais que a
sociedade tenha, ao menos, uma relativa tranquilidade no seu cotidiano?
Fica no ar
uma singela pergunta: pelo andar da carruagem, quanto tempo mais até que
exploda uma bomba de verdade nas manifestações?
Jornal
do Comércio - RS - Editorial
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