Retornava
eu da paradisíaca Angra dos Reis quando me pus a refletir sobre tudo aquilo,
concluindo que o resumo do fracasso brasileiro estava contido ali, naquela
volta. A mentalidade do povo brasileiro com sua completa falta de educação, o
descaso do governo apesar dos excessivos impostos, a impunidade total que
incentiva a ilegalidade e a enorme oportunidade perdida que é este lindo país.
Em primeiro
lugar, uma estrada completamente patética, uma colcha de retalhos repleta de
buracos, que leva a um dos lugares mais lindos do mundo. O governo toma na
marra quase a metade daquilo que o cidadão ganha, e oferece em troca uma
estrada que parece um queijo suíço, causa de inúmeros acidentes fatais.
As pessoas
reclamam dos pedágios nas vias privadas, mas deveriam reclamar é dos elevados
impostos. Em qualquer lugar mais civilizado do mundo, o acesso a um paraíso
como Angra seria bem diferente, infinitamente mais decente, para atrair os
turistas e seus dólares, que geram emprego e renda. No Brasil, o descaso das autoridades
é total, e mais uma excelente oportunidade de reduzir a miséria é perdida.
Em segundo
lugar, a falta de educação do próprio povo é impressionante. Vários motoristas,
imbuídos da malandragem da “lei de Gérson”, jogam seus carros no acostamento e
ultrapassam os cidadãos corretos que obedecem a fila. É como se chamassem os
que respeitam as regras de otários. Eis a mentalidade do brasileiro, na média.
E tal falta
de educação não faz distinção de conta bancária. Verdadeiras espeluncas sobre
rodas, que deveriam estar no ferro velho, passam pelo acostamento junto com
carros que valem uma fortuna. Muitos repetem que a solução de todos os nossos
males está na educação, como se essa fosse uma panaceia, mas não questionam
qual educação.
Aquela
turma, em carros que custam mais do que um brasileiro de classe média ganha por
ano, tem boa “educação”, no sentido de diplomas e universidades. Mas são mal
educados, pois a mentalidade é torta, e falta respeito ao próximo. Alguns – e
não foram poucos – chegavam a jogar seus carros na contramão, colocando em
risco, de forma totalmente irresponsável, várias famílias que iam no sentido
contrário.
Em terceiro
lugar, a impunidade é total, o que estimula bastante o problema da falta de
educação acima. Indivíduos reagem a incentivos, e quando a ilegalidade é
vantajosa, enquanto seguir as regras é penalizado, muitos irão aderir ao crime,
pois nem todos são íntegros o suficiente para respeitar o próximo independente
da punição da lei.
Durante a
minha viagem toda, que durou o dobro do que deveria, não passei por um único
carro de polícia na estrada, vigiando o acostamento. Não houve punição alguma
àqueles que desrespeitavam a lei e os demais motoristas. A impunidade é um
convite ao crime.
Em resumo,
aquela angustiante volta de um lugar tão maravilhoso como Angra pode ser vista
como um retrato do nosso país. Um governo que arrecada demais via impostos e
não foca no que deveriam ser suas funções básicas; um povo que de certa forma
merece os desgovernos que tem tido sucessivamente; e uma enorme oportunidade
perdida. Uma cultura da malandragem alimentada por instituições capengas.
O diabo
está nos detalhes. As pequenas coisas importam, são sintomáticas. O cidadão que
ignora totalmente o respeito ao próximo, querendo se dar bem à custa dos
outros, vem depois reclamar da corrupção em Brasília. Não nota que ele mesmo
desrespeita as regras, que deveriam ser igualmente válidas para todos. Afirma
que “todos fazem”, como se isso fosse justificativa para errar também.
O
brasileiro sempre achou o máximo furar a fila. Coisa de malandro. Pois eis o
que a malandragem gera: um país corrupto, miserável, sem lei. Enquanto isso, os
“otários” dos americanos, por exemplo, seguem as regras, seja por
conscientização ou por medo da punição, e vivem em um dos países mais prósperos
do mundo. Há que se mudar tanto as instituições brasileiras como a mentalidade
do povo.
Uma coisa
não funciona direito sem a outra. O sujeito que pega o acostamento, tentando
passar para trás os que respeitam as regras, deveria sentir vergonha pelo seu
ato. Mas a coisa é vista como tão normal que um deles, quando eu não permiti
que entrasse na minha frente, ficou furioso e reclamando. O culpado era
eu, que seguia no caminho correto.
Essa mentalidade
precisa mudar. Caso contrário, o retrato do país não irá mudar. Seremos para
sempre o gigante adormecido, esse país maravilhoso que tinha tudo para ser um
paraíso, mas que não passa de um recordista mundial em homicídios e pobreza. Há
malandros demais para otário de menos.
Rodrigo Constantino, publicado em sua coluna na Veja.com
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