sábado, 22 de agosto de 2015

Kodak - O Início da Era Digital e o fim da Película Fotográfica

Na década de 1970 a Kodak fatura bilhões de dólares/ano vendendo filmes.
Imagine um mundo onde a fotografia seja um processo lento, quase impossível de dominar com perfeição sem anos de estudo ou de aprendizado. 

Um mundo sem iPhones ou Instagram, onde uma empresa reinava com supremacia. 

Tal mundo existia em 1973, quando Steven J. Sasson, um jovem engenheiro recém-formado, foi trabalhar na Eastman Kodak.

Dois anos depois ele inventou a fotografia digital e construiu a primeira câmera digital.

Steven J. Sasson quando começou a trabalhar na Kodak em 1973.
O Steven Sasson, então com 24 anos de idade, inventou um processo que nos permite fotografar com telefones celulares, enviar as imagens ao redor do mundo em segundos e compartilhá-las com milhões de pessoas.  Este processo transformou a indústria fotográfica dominada por seu empregador e deu início a uma década de reclamações de fotógrafos apavorados com a possibilidade da extinção de sua profissão.

Assim que começou a trabalhar na Kodak, Sasson foi incumbido de uma tarefa de pouca importância: verificar se havia algum uso prático para um dispositivo de carga acoplada ou CCD (charge-coupled device), que tinha sido inventado alguns anos antes.

Ele solicitou a aquisição de alguns destes dispositivos e começou a avalia-los. O dispositivo constituía de um sensor semicondutor para captação de imagens formada por um circuito integrado que contém uma matriz de capacitores acoplados. Ele queria capturar imagens com o CCD mas não conseguia, pois os pulsos elétricos logo se dissipavam.

Para armazenar a imagem, ele decidiu usar o que naquele tempo era um processo relativamente novo, a digitalização, que é a transformação de pulsos elétricos em números. Mas a solução levou a outro desafio: armazená-los em uma memória RAM, para depois gravá-los numa fita magnética digital.

O resultado final foi como uma “máquina de fazer doido”  criada com a lente tirada de uma câmera Super  8, um gravador portátil, 16 baterias de níquel-cádmio, um conversor análogo/digital e dezenas de outros circuitos — tudo conectado em meia-dúzia de placas.

Primeira câmera digital do mundo. Pesava 3,6 kg e tinha somente 0,01 megapixels.
Só para comparação, é bom lembrar que o primeiro computador da Apple apareceu no mercado no ano seguinte!

Por si só a câmera foi um grande acontecimento, mas era necessário inventar um sistema para reverter o processo que pudesse tirar a informação digital da fita e torna-la algo que se pudesse ver em uma tela de televisão: uma imagem digital.

“Era mais que uma câmera,” disse Sasson. “Era um sistema fotográfico para demonstrar a ideia de uma câmera totalmente eletrônica que não usava filme, papel ou outros consumíveis para capturar e exibir uma imagem fotográfica.”

A câmera e o sistema de “playback” foram o início da era da fotografia digital. Mas a revolução digital não foi fácil na Kodak.

“Eles estavam convencidos que ninguém gostaria de ver suas imagens em um aparelho de televisão.”

Steven Sasson fez uma séria de demonstrações para executivos nos departamentos de marketing, técnico e de desenvolvimento de negócio. Depois para os chefes e chefes dos chefes. Ele levava a câmera para salas de reunião e demonstrava o seu funcionamento tirando fotos dos presentes.

“Levava somente 50 milissegundos para capturar a imagem, mas tomava 23 segundos para gravar na fita,” explica Sasson. “Eu tinha que tirar a fita, entregar ao meu assistente e ele colocava na unidade de playback”. 30 segundos depois, ela aparecia numa imagem em preto-e-branco de 100x100 pixels.

Ainda que a qualidade fosse ruim, Sasson explicava que a resolução poderia ser melhorada rapidamente à medida que a tecnologia avançava e que poderia competir no mercado consumidor contra as câmeras de filmes 110 e 135. Tentando comparar com o que já existia no mercado de dispositivos eletrônicos ele sugeria “pensar numa calculadora HP com lentes.” Ele chegou a mencionar o envio de imagens por linha telefônica.

A reação dos executivos da Kodak foi morna, para dizer o melhor.

“A imagem impressa em papel estava sedimentada no mercado consumidor por mais de 100 anos, sem qualquer reclamação. O custo era baixo, então por que alguém iria querer ver suas fotos na tela da televisão?,” argumentavam os incrédulos executivos da Kodak.

As maiores objeções vieram dos departamentos de marketing e de novos negócios. A Kodak tinha um monopólio virtual no mercado americano de fotografia e faturava alto em cada fase do processo fotográfico. Se você planejava fotografar o aniversário do seu filho provavelmente usaria uma câmera Kodak Instamatic, filme Kodak e lâmpadas de flash fabricadas pela Kodak. E depois mandaria o filme para ser revelado e impresso numa máquina Kodak, com produtos da Kodak e em papel fotográfico Kodak. A empresa dominava todo o processo!

Era um excelente negócio e não viam razão para mudar.

Quanto os executivos perguntaram quando a fotografia digital poderia competir com a fotografia analógica, a resposta de Steven Sasson foi de que ele estimava de 15 a 20 anos para que isto acontecesse. 
Os executivos não ficaram muito excitados com isto! 

Mas permitiram que ele continuasse com as pesquisas para desenvolver a câmera, a compressão de imagem e o cartão de memória.

A primeira câmera digital foi patenteada pela Kodak em 1978. Mas isto não foi divulgado para o público.

Em 1989, Steven Sasson e seu colega Robert Hills criaram a primeira câmera digital SLR que tinha a aparência e funcionava como as modernas câmeras profissionais de hoje. Tinha 1,2 megapixels, usava compressão de imagem, armazenada em um cartão de memória.  A câmera foi patenteada em 1991.

Primeira câmera digital SLR, inventado por Steven Sasson e Robert Hills em 1989.
Mas o departamento de marketing da Kodak não estava interessado. Disseram que poderiam vender a câmera digital, mas não o fariam, para não canibalizar as vendas de filmes.

“Quando construímos aquela câmera, o argumento estava superado,” afirma Steven Sasson. “Era só uma questão de tempo, mas a Kodak não quis entrar no negócio. A câmera nunca foi comercializada.”

De qualquer forma, até que a patente venceu em 2007, a câmera digital rendeu bilhões de dólares à Kodak, pois a empresa era a dona da patente – não o Steven Sasson – fazendo com que a maioria dos fabricantes de câmera digital pagasse à Kodak direitos para usar a tecnologia. Apesar de eventualmente fabricar e vender câmeras digitais para consumidores e profissionais, a Kodak nunca acordou para o mercado, até ser tarde demais.



Kodak DCS 460. Era vendida por US$35.000 em 1995!
“Cada câmera digital vendida tomava mercado de câmeras analógicas e nós ganhávamos muito dinheiro vendendo filmes,” comenta Sasson. “Este era o argumento. Claro, o problema é que eventualmente você não venderia mais filmes – e esta era minha posição.”

Hoje a primeira câmera digital feita por Steven Sasson em 1975 está em exposição no Museu Nacional da História Americana, do Smithsonian’s em Washington. 

Steven Sasson em 2010, com a câmera digital que inventou em 1975.
Em 2009 o presidente Barak Obama concedeu a Medalha Nacional de Tecnologia e Inovação a Steven Sasson – a maior honraria dos Estados Unidos a um engenheiro – numa cerimônia na Casa Branca.

Três anos depois, a Eastman Kodak pediu concordata.

A companhia saiu da concordata muito menor do que era, mas continua a operar, focada no mundo corporativo. Sua presença no mercado consumidor da fotografia, entretanto, é apenas uma sombra do que era.

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