quinta-feira, 19 de março de 2015

Lembranças das Minas Geraes - 2: Viajando de trem

Locomotiva a vapor ALCO Mallet 0-6-6-0, "carro forte" da EFCB na década de 1940.
Meus pais moravam em Conselheiro Lafaiete, quando eu nasci. Mudamos para Santos Dumont em 1948, portanto minhas lembranças da minha cidade natal são poucos.

O que me lembro de lá referem-se às visitas que fazíamos com bastante regularidade, pois a família da minha mãe - bastante numerosa - se dividia entre Lafaiete e Belo Horizonte.

Era muito divertido as viagens de trem que fazíamos. As que mais gostava era quando viajava sozinho (aconteceu algumas vezes). Vários dos meus tios e primos eram maquinistas de trem da Estrada de Ferro Central do Brasil. Um deles, em especial, era meu tio preferido: Castro de Almeida, um dos irmãos mais velhos da minha mãe. Muito divertido, gostava de boa comida e de uma dose de aguardente, tradição da nossa terra.

Ele morava em Cons. Lafaiete e conduzia trens entre aquela cidade e Santos Dumont, onde morávamos. Sempre que fazia pernoite lá, ia nos visitar. Era muito agradável tê-lo em casa, no jantar. Ele e meu pai eram muito amigos e tinham várias histórias juntos.

A que eu mais gosto, era ainda do tempo em que meus pais eram namorados. Minha mãe morava em Lafaiete e meu pai em Santos Dumont. A ligação entre as duas cidades era feita por trem ou, como alternativa pouco usada, pelas poeirentas estradas do estado. O asfalto só chegava em Minas até Juiz de Fora, onde terminava a Estrada União e Indústria, que a ligava JF à capital federal (vamos falar desta estrada em outra postagem).

Meu pai ia visitar minha mãe nos fins de semana e nem sempre podia combinar o seu trabalho com o horário dos trens. Ele tinha uma Harley-Davidson 1936, que havia comprado quando chegou em Minas Gerais, transferido de São Paulo onde trabalhava anteriormente. Era seu meio de transporte.

1936 Harley Davidson Knucklehead EL 990cc
Numa de suas idas a Lafaiete, meu tio Castro foi de carona com ele. Como a motocicleta não tinha banco de garupa, meu tio sentou-se no paralamas traseiro. Ora, aqueles motocicletas eram "rabo duro", não tinham suspensão traseira! O impacto das imperfeições do solo era amortecido pelo banco do piloto, mas meu tio tinha que se equilibrar sobre o paralamas da melhor maneira que podia.

Durante a viagem, em dado momento, meu pai falou algo para o meu tio e não teve resposta. Olhou para trás e constatou que esta sozinho: meu tio tinha caído. Regressando, meu pai o encontrou todo empoeirado, sentado na beira do caminho (lembrei-me da música do Erasmo Carlos!). Retomaram a viagem e chegaram inteiros em Conselheiro Lafaiete. Meu tio, claro, um pouco mais dolorido.

A história sempre rendia boas gargalhadas do tio Castro, ao contar. E recebia mais detalhes, à medida que era repetida para nós.

A maioria das viagens que fiz sozinho a Conselheiro Lafaiete foram com meu tio Castro conduzindo a locomotiva. Já naquela época as diesel-elétricas Alco-GE RS-1 tracionavam os trens de passageiro.

Locomotiva Alco-GE RS-1, já nas cores da RFFSA.
A EFCB adquiriu 38 unidades na década de 1950.
O tio Castro sempre me levava na cabine da locomotiva e eu adorava fazer a viagem assim. Havia dois tripulantes, o maquinista e seu auxiliar. Era interessante ver a forma como as instruções eram passadas ao maquinista. Em cada estação que passasse, sem parar, a locomotiva diminuia a velocidade e um funcionário da EFCB ficava na plataforma segurando um arco de madeira compensada, de uns 1,5 m de diâmetro. Ao passar, o auxiliar do maquinista ficava na passarela localizada ao longo da locomotiva e pegava o arco. Nele, vinha um pequeno cilindro onde estava a mensagem, enviada pelo telégrafo, com as instruções para o trecho seguinte.

Éramos uma família ferroviária. Meu avô materno e vários dos meus tios foram maquinistas de trem. Outras trabalharam em outros setores da ferrovia.

Quarto Depósito de Locomotivas da EFCB, Santos Dumont, MG, início dos anos 1960.
 Em primeiro plano uma locomotiva Alco Pacific 370
Meu pai trabalhava na manutenção de locomotivas. Formou-se na Escola Técnica Profissional Silva Freire, no Rio de Janeiro, a mais antiga escola técnica do Brasil, fundada em 1897. Esta escola continua em atividade, com o nome de Escola Técnica Estadual de Transportes Engenheiro Silva Freire.
Contratado pela EFCB logo após sua formatura, foi trabalhar em São Paulo por alguns anos, vindo para as Minas Geraes em 1937. Mais tarde meu pai foi professor e, posteriormente, Diretor da Escola Profissional Eugênio Feio.

A estrada de ferro estava no nosso sangue e nas nossas vidas, naquela época. Era nosso meio de transporte, que só veio a modificar quando o Presidente Juscelino Kubitschek construiu a atual BR-040 (chamada na época de BR-3), trazendo o asfalto até Belo Horizonte.

Veja também: Lembranças das Minas Geraes - 1: Quebrando o gelo

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