sábado, 1 de novembro de 2008

Os mares por onde naveguei - 4a. Parte

Depois de terminar o estágio prático em linha, com duração de seis meses na rota para os Estados Unidos, fui nomeado para o S/S "Lóide Brasil", em Agosto de 1967 (puxa, ninguém acredita que foi há tanto tempo, não é mesmo?).

O "Lóide Brasil" era um dos navios de uma classe de 20, encomendados aos estaleiros Ingalls Shipbuilding Corporation, Pascagoula, Mississipi, Estados Unidos e Canadian Vickers Ltd, Montreal, Quebec, Canadá, no final da Segunda Guerra Mundial. 

Coincidentemente o primeiro navio da classe, o "Lóide América" tinha tido seu batimento de quilha no dia em que lançaram a bomba atômica em Hiroshima. Daí, esta classe ficou conhecida como "Bomba" e todos os chamavam de "Bombas do Lóide".

Eram navios excepcionais. Todo em aço (inclusive os móveis), eram equipados com os mais modernos recursos de navegação eletrônica da década (agulha giroscópica, radio-goniômetro de precisão, telêmetro, ecobatímetro, radar de navegação), além de recursos avançados para o cuidado da carga transportada em seus porões: o sistema "Cargocare", que permitia o controle da umidade do ar, garantindo o transporte seguro do nosso maior produto de exportação da época, o café em grãos.

Sua propulsão era gerada por duas potentes turbinas a vapor General Electric de 6.600 shp, acopladas a um conjunto de eixo/hélice de 4 pás, que permitiam uma velocidade média acima de 18 nós (nó = um milha marítima/hora) ou 33 km/h. Esta velocidade era bem significativa, então, e continua a ser uma excelente velocidade, hoje em dia.

Neste navio eu serví sob as ordens de dois grandes Comandantes: o Capitão-de-Longo-Curso Constantino Kaili e o Capitão-de-Longo-Curso Benedito Paes Dias Pantoja.

O Comandante Kaili era nosso comandante quando, em Setembro de 1967, o furacão Beulah, de categoria 5, nos atingiu quando passávamos entre a Jamaica e Cuba, a caminho do Golfo do México, em rota para New Orleans, nos Estados Unidos. 

O Beulah foi o segundo furacão da temporada de 1967 e o único que atingiu categoria 5, naquele ano. http://en.wikipedia.org/wiki/Hurricane_Beulah Com ventos de até 160 milhas/hora (260 km/h), o Beulah causou grandes estragos nas ilhas do Caribe, causando a morte de 58 pessoas e prejuízos de US$ 217 milhões (o equivalente a US$ 1.3 bilhões, em valores de hoje).

 Foi uma experiência muito importante, no início da minha carreira naval. Sob a liderança de um grande capitão, a tripulação enfrentou os quase 5 dias de tormenta como uma verdadeira equipe, bem treinada. As avarias no navio, ainda que tenham causado algum dano à carga (especialmente nas sacas de café estivadas no porão 2), foram de pequena monta, considerando-se a violência do furacão. Lembro-me de termos registrado, no anemômetro, rajadas de até 130 milhas por hora (210 km/h), no hemisfério norte do furacão.

A tranquilidade com a qual o Comandante Kaili reagia e nos dava as ordens para as manobras necessárias, foram marcantes, para mim. Claro que eu não tive qualquer temor, pois com apenas 21 anos eu me considerava imortal (como é característico da idade, acho).

Mas esta tormenta e a forma como o Comandante Kaili conduziu o navio e sua tripulação foram fundamentais para minha formação marinheira.

No final daquele ano o comando do "Lóide Brasil" passou para o Comandante Benedito Paes Dias Pantoja e fomos transferidos para a rota da Europa. Além do rigor do inverno de 1968 e uma violenta tormenta no Golfo dos Leões, no Mediterrâneo, o resto da minha comissão neste navio transcorreu sem novidades. Aí, entretanto, teve início uma longa amizade entre eu e o Comte. Pantoja, que continua até hoje.

Um comentário:

  1. Muito bom seu relato Roque. Também passei por "sufoco" semelhante no mesmo local no Lóide Guatemala em 1964. Abraço

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