Em Brasília
são sempre 19 horas. Como na fatídica “Hora do Brasil”. Pontualmente — e com a
monotonia habitual — os locutores apresentam um relato diário das atividades
dos Três Poderes. Falam de um Brasil imaginário. Tentam, com muito esforço,
apresentar as atividades da demoníaca Praça dos Três Poderes.
O Brasil
pode estar vivendo uma guerra civil. Mas lá, em Brasília, tudo continua como se
vivêssemos o melhor dos mundos.
Durante a
semana que passou, os principais assuntos foram a designação de Alexandre de
Moraes para a vaga do STF, as manobras para dificultar o andamento da
Lava-Jato, a tentativa fracassada de (novamente) aprovar a anistia para os
crimes eleitorais e as especulações em torno do nome do novo ministro da
Justiça.
A tragédia
do Espírito Santo não sensibilizou a elite política. Foi tratada como algo
irrelevante — ou de restrita importância. Afinal, qual vantagem poderia ser
obtida? Isto poderia levar a algum ganho na estrutura de poder? Abriria
possibilidade de um bom negócio?
Brasília
ignorou o que estava ocorrendo no Espírito Santo. O medo, a fome, os saques, as
mortes, os prejuízos do comércio. Tudo foi tratado com descaso, como se a
inconstitucional greve dos policiais militares estivesse atrapalhando a rotina
burocrática dos donos do poder.
No Senado,
o principal assunto foi a eleição de Edison Lobão para a presidência da
Comissão de Constituição e Justiça, enquanto a Câmara continuou conspirando
contra a Lava-Jato, e o Planalto passou a semana blindando Moreira Franco.
O descaso
com os trágicos acontecimentos do Espírito Santo é o retrato cristalino da
elite política brasileira.
As
lideranças partidárias silenciaram, como o fizeram os ministros das cortes
superiores, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Excetuando o ministro
da Defesa, o governo ignorou o drama dos capixabas.
O
Ministério da Justiça — pasta que deveria ter papel ativo na solução da crise —
se omitiu. O ministro interino mal apareceu na imprensa para dar seu ar da
graça. E, pior, o Palácio do Planalto silenciou. Só se pronunciou — e
timidamente — uma semana após o início do motim da PM capixaba.
O
sofrimento da população foi ignorado. Nenhuma liderança nacional foi dar apoio
ao governador Paulo Hartung. Contudo, foram a São Paulo e São Bernardo do Campo
prestar solidariedade a um criminoso, organizador do maior esquema de desvio de
recursos públicos da história da humanidade, quando da morte da sua esposa.
Pior, o Planalto decretou três dias de luto oficial.
E os 140
mortos no Espírito Santo? Não merecem nenhuma consideração? Por quê?
Somos
governados por uma elite perversa e hipócrita. Interesse público? Nenhum.
Brasília, na sua eterna indiferença com os destinos do Brasil, a cada dia dá
mostras de que a República que nasceu da Constituição de 1988 já deu o que
tinha de dar — e deu pouco, para o povo, entenda-se.
O que chama
a atenção é a crença dos donos do poder de que os brasileiros vão assistir
passivamente ao velho jogo do é dando que se recebe. Como se a luta vitoriosa
pelo impeachment tivesse esgotado a capacidade de mobilização. Ledo engano.
No final de
2015, poucos imaginavam que, seis meses depois, Dilma Rousseff estaria fora da
Presidência da República. E isto só ocorreu pela pressão popular.
Para o
bloco do poder, o impeachment encerrou a crise política. Errado. O impeachment
somente destampou a panela de pressão. A crise vai se agravar após as
revelações das delações da Odebrecht. E mais ainda pela resistência organizada
na Praça dos Três Poderes contra a Lava-Jato.
Não vai
causar admiração quando as ruas retomarem o protagonismo que tiveram tão
recentemente.
Há um
sentimento de que Brasília está da tal forma carcomida pela corrupção, que só é
possível esperar algum novo golpe contra os interesses populares.
Neste clima
dificilmente serão aprovadas as reformas. E, se forem, deverão ter um alto
custo político.
A questão
central é que a velha ordem quer se manter a todo custo no poder. E tem
milhares de apoiadores — sócios menores e maiores — que vivem à sombra do saque
do Estado. Usam, paradoxalmente, do estado democrático de direito para se
defender. Ou seja, a lei, ao invés de proteger o Estado e a cidadania, acabou
se transformando em instrumento que garante e protege os corruptos.
O risco de
a crise política se transformar em crise social é grande.
As finanças
estaduais estão exauridas. Os serviços públicos estão sucateados. O desemprego
é alto. E a falta de rápida e severa punição dos crimes de corrupção acaba
desmoralizando as instituições e estimulando o desprezo pela democracia.
No
horizonte, nada indica que a elite política tenha consciência da real situação
do país. A crise não frequenta os salões de Brasília. Lá a vida continua bela —
como sempre.
É
necessário desatar o nó górdio. Mais uma vez, este será o papel das ruas. O
simples protesto individual é inócuo.
Foi uma
grande vitória derrotar o projeto criminoso de poder. Mas é ainda insuficiente.
As forças
de conservação são poderosas. Espertamente — e não é a primeira vez ao longo da
nossa história — pegaram carona na indignação popular para se manter no novo
bloco de poder. E são elas os principais obstáculos para a plenitude
republicana.
Hoje, a
grande tarefa é derrotar politicamente a Praça dos Três Poderes.
Texto de Edivaldo Sposito
Parabéns pelo texto, belo resumo da baderna brasileira
ResponderExcluir"O Brasil pode estar vivendo uma guerra civil."
ResponderExcluirE não duvido que viva. Exceto que estamos desarmados. Porém, também, se é chegada a hora de uma justa desobediência civil, então a pressão desarmamentista do Estado é irrelevante.
O tempo passa e a letargia o faz parecer lento. Mas, concomitantemente, parece que vivemos no limiar de uma era, como que em expectativa de uma guerra iminente.
Que Deus nos tenha misericórdia!