quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Em Brasília são sempre 19 horas


Em Brasília são sempre 19 horas. Como na fatídica “Hora do Brasil”. Pontualmente — e com a monotonia habitual — os locutores apresentam um relato diário das atividades dos Três Poderes. Falam de um Brasil imaginário. Tentam, com muito esforço, apresentar as atividades da demoníaca Praça dos Três Poderes.

O Brasil pode estar vivendo uma guerra civil. Mas lá, em Brasília, tudo continua como se vivêssemos o melhor dos mundos.

Durante a semana que passou, os principais assuntos foram a designação de Alexandre de Moraes para a vaga do STF, as manobras para dificultar o andamento da Lava-Jato, a tentativa fracassada de (novamente) aprovar a anistia para os crimes eleitorais e as especulações em torno do nome do novo ministro da Justiça.

A tragédia do Espírito Santo não sensibilizou a elite política. Foi tratada como algo irrelevante — ou de restrita importância. Afinal, qual vantagem poderia ser obtida? Isto poderia levar a algum ganho na estrutura de poder? Abriria possibilidade de um bom negócio?

Brasília ignorou o que estava ocorrendo no Espírito Santo. O medo, a fome, os saques, as mortes, os prejuízos do comércio. Tudo foi tratado com descaso, como se a inconstitucional greve dos policiais militares estivesse atrapalhando a rotina burocrática dos donos do poder.

No Senado, o principal assunto foi a eleição de Edison Lobão para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça, enquanto a Câmara continuou conspirando contra a Lava-Jato, e o Planalto passou a semana blindando Moreira Franco.

O descaso com os trágicos acontecimentos do Espírito Santo é o retrato cristalino da elite política brasileira.

As lideranças partidárias silenciaram, como o fizeram os ministros das cortes superiores, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Excetuando o ministro da Defesa, o governo ignorou o drama dos capixabas.

O Ministério da Justiça — pasta que deveria ter papel ativo na solução da crise — se omitiu. O ministro interino mal apareceu na imprensa para dar seu ar da graça. E, pior, o Palácio do Planalto silenciou. Só se pronunciou — e timidamente — uma semana após o início do motim da PM capixaba.

O sofrimento da população foi ignorado. Nenhuma liderança nacional foi dar apoio ao governador Paulo Hartung. Contudo, foram a São Paulo e São Bernardo do Campo prestar solidariedade a um criminoso, organizador do maior esquema de desvio de recursos públicos da história da humanidade, quando da morte da sua esposa. Pior, o Planalto decretou três dias de luto oficial.

E os 140 mortos no Espírito Santo? Não merecem nenhuma consideração? Por quê?

Somos governados por uma elite perversa e hipócrita. Interesse público? Nenhum. Brasília, na sua eterna indiferença com os destinos do Brasil, a cada dia dá mostras de que a República que nasceu da Constituição de 1988 já deu o que tinha de dar — e deu pouco, para o povo, entenda-se.

O que chama a atenção é a crença dos donos do poder de que os brasileiros vão assistir passivamente ao velho jogo do é dando que se recebe. Como se a luta vitoriosa pelo impeachment tivesse esgotado a capacidade de mobilização. Ledo engano.

No final de 2015, poucos imaginavam que, seis meses depois, Dilma Rousseff estaria fora da Presidência da República. E isto só ocorreu pela pressão popular.

Para o bloco do poder, o impeachment encerrou a crise política. Errado. O impeachment somente destampou a panela de pressão. A crise vai se agravar após as revelações das delações da Odebrecht. E mais ainda pela resistência organizada na Praça dos Três Poderes contra a Lava-Jato.

Não vai causar admiração quando as ruas retomarem o protagonismo que tiveram tão recentemente.
Há um sentimento de que Brasília está da tal forma carcomida pela corrupção, que só é possível esperar algum novo golpe contra os interesses populares.

Neste clima dificilmente serão aprovadas as reformas. E, se forem, deverão ter um alto custo político.
A questão central é que a velha ordem quer se manter a todo custo no poder. E tem milhares de apoiadores — sócios menores e maiores — que vivem à sombra do saque do Estado. Usam, paradoxalmente, do estado democrático de direito para se defender. Ou seja, a lei, ao invés de proteger o Estado e a cidadania, acabou se transformando em instrumento que garante e protege os corruptos.

O risco de a crise política se transformar em crise social é grande.

As finanças estaduais estão exauridas. Os serviços públicos estão sucateados. O desemprego é alto. E a falta de rápida e severa punição dos crimes de corrupção acaba desmoralizando as instituições e estimulando o desprezo pela democracia.

No horizonte, nada indica que a elite política tenha consciência da real situação do país. A crise não frequenta os salões de Brasília. Lá a vida continua bela — como sempre.

É necessário desatar o nó górdio. Mais uma vez, este será o papel das ruas. O simples protesto individual é inócuo.

Foi uma grande vitória derrotar o projeto criminoso de poder. Mas é ainda insuficiente.
As forças de conservação são poderosas. Espertamente — e não é a primeira vez ao longo da nossa história — pegaram carona na indignação popular para se manter no novo bloco de poder. E são elas os principais obstáculos para a plenitude republicana.

Hoje, a grande tarefa é derrotar politicamente a Praça dos Três Poderes.

O Brasil é melhor do que o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. E esta tarefa é da sociedade civil. Não será fácil. Mas é indispensável.

Texto de Edivaldo Sposito

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, belo resumo da baderna brasileira

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  2. "O Brasil pode estar vivendo uma guerra civil."
    E não duvido que viva. Exceto que estamos desarmados. Porém, também, se é chegada a hora de uma justa desobediência civil, então a pressão desarmamentista do Estado é irrelevante.
    O tempo passa e a letargia o faz parecer lento. Mas, concomitantemente, parece que vivemos no limiar de uma era, como que em expectativa de uma guerra iminente.
    Que Deus nos tenha misericórdia!

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