quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Mas a Lei Seca não faria milagres?



Uma das coisas que mais cansam no Brasil é a falta de lógica e de memória nos debates, assim como a busca por “soluções mágicas” simplistas para os complexos problemas. Temos uma “guerra civil” no trânsito, que mata cerca de 50 mil pessoas por ano, quantia similar a de perdas em homicídios. A Lei Seca foi a grande promessa que encantou – e ainda encanta – um monte de gente.

Quando foi aprovada, houve grande comemoração. Nos primeiros meses, os jornais estampavam as quedas dos acidentes, e a falta de lógica levava à conclusão precipitada de que era a tolerância zero com o álcool a responsável pela conquista. 

O culpado pelas mortes no trânsito era o sujeito, pai de família responsável, que bebia uma taça ou duas de vinho no jantar com sua mulher e depois dirigia calmamente para casa. Um criminoso! Um assassino!

Enquanto isso, carros caindo aos pedaços continuavam a circular nas ruas, motoristas imprudentes sem álcool no sangue também, tudo em vias precárias, sem conservação,  com má sinalização, em um país cuja cultura não costuma respeitar as regras.

Resultado? As mortes em acidentes de trânsito continuam subindo. 

O número de mortes aumentou 13% desde a implantação da Lei Seca, em 2009.
São números de uma guerra. Há um  alerta para o padrão de comportamento que se alastra perigosamente: os motoristas estão dirigindo de maneira cada vez mais imprudente, não respeitando os limites de velocidade e o sinal vermelho, colocando em risco suas vidas e as de terceiros.

O interessante é que as pesquisas indicam que 90% dos motoristas aprovam a Lei Seca. E pasmem! Não há nenhum elo feito entre a promessa de resultados fantásticos com a lei e o resultado lamentável de hoje. Ou seja, ninguém liga “lé” com “cré”, ou cobra coerência das propostas anteriores.

Vamos sempre atacando sintomas em vez de causas. Somos o país do sofá, do marido que joga fora o sofá para acabar com o adultério da esposa. Quebramos o termômetro para “curar” a febre do doente.

É como no caso do desarmamento, que prometia resolver ou melhorar muito a questão da criminalidade. Tirando a proteção do cidadão de bem? Avisando ao bandido que ninguém mais terá condições de garantir sua legítima-defesa? Qual a lógica? Não importa. Era grande a expectativa dos “progressistas”. O crime continua aumentando, mas quem liga?

E assim chegamos a esse cenário atual, em que não se pode sair para jantar e tomar um vinho, como se existisse uma excelente infraestrutura de transporte público como alternativa, enquanto mais e mais gente morre vítima de imprudência no caótico trânsito do país.

Mas vamos resolver tudo agora. Vamos intensificar ainda mais o rigor da Lei Seca. Ai daquele criminoso maldito que ousar pegar na direção depois de comer um bombom de licor ou usar aqueles enxaguantes bucais com um pouco de álcool! O Brasil, definitivamente, não é um país sério…

Fonte: coluna do Rodrigo Constantino e Mapa da Violência 2013, escrito por Julio Jacobo Waiselfisz, do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário