A soma de tibieza do poder público mais irresponsabilidade
de certas categorias profissionais tem dado ocasião a um tipo de protesto
trabalhista que vai muito além da suspensão do trabalho prevista em lei:
trata-se do bloqueio deliberado de avenidas e rodovias importantes, asfixiando
a livre circulação de pessoas e mercadorias e prejudicando indistintamente
todos os cidadãos.
O último episódio do gênero foram as manifestações de
motofretistas que, em questão de minutos, trouxeram o caos a São Paulo e Rio de
Janeiro.
No caso da capital paulista, na quinta-feira passada o
congestionamento beirou os 150 quilômetros quando os motoqueiros fecharam parte
da Paulista, da Brigadeiro Faria Lima, da Rebouças e da Marginal do Pinheiros.
Em alguns pontos da marginal a fila superava 7 quilômetros e
o bloqueio só foi desfeito quando a polícia usou bombas de gás lacrimogêneo. No
Rio, o centro da cidade também travou.
Os motoboys protestavam contra a resolução do Conselho
Nacional de Trânsito (Contran) que impôs normas mais rígidas para o exercício
de sua profissão, cuja vigência estava prevista para começar na sexta-feira.
O maior problema, na visão dos motoqueiros, era a exigência
de um curso de capacitação, sem o qual eles não podem obter sua licença
municipal.
A questão é que o curso só podia ser ministrado pelo Detran,
pelo Serviço Social do Transporte (Sest) ou pelo Serviço Nacional de
Aprendizagem do Transporte (Senat) e essas entidades não tinham condições de
fornecer vagas em número suficiente para suprir a demanda.
No mês passado, o Estado mostrou que apenas 2% dos motoboys
haviam conseguido fazer o curso e seria impossível para todos os demais atender
à exigência no prazo estipulado.
Como se nota, a reivindicação dos motoboys não era injusta -
ao contrário: a situação só reafirmou a incúria dos administradores públicos,
que fazem exigências aos cidadãos, mas não lhes dão condições de cumpri-las.
Por isso, o Contran viu-se obrigado a adiar, pela terceira
vez, o prazo para iniciar a fiscalização do respeito às normas. Agora, os
motofretistas terão até fevereiro de 2013.
É interessante observar, todavia, que nem bem o protesto em
São Paulo havia terminado, o Ministério das Cidades corria a anunciar o novo
adiamento da vigência das regras, como a premiar os vândalos.
Nenhuma mísera palavra de censura oficial à atitude
truculenta dos motoboys foi dita, de modo que não será surpresa se eles
voltarem a infernizar a cidade qualquer dia desses para impor sua agenda de
reivindicações.
O mesmo pode-se dizer dos caminhoneiros autônomos que, entre
o final de julho e o início de agosto, paralisaram a Rodovia Dutra, a principal
do País, para protestar contra uma nova regra que exige descanso mínimo de 11
horas a cada 24 horas. Nesse caso, eles contaram com a camaradagem de policiais
rodoviários interessados na crise, porque eles também estão reivindicando
melhorias de trabalho.
Sem entrar no mérito do que exigiam os caminhoneiros, o fato
é que o bloqueio, que durou uma semana, causou transtornos generalizados e houve
violência. Ônibus de passageiros, caminhões com produtos perecíveis e
ambulâncias com pacientes ficaram presos no congestionamento que, em alguns
momentos, passou de 30 quilômetros.
Além disso, como 90% dos caminhões que abastecem a região
metropolitana do Rio estavam presos na Dutra, o preço de determinados alimentos
disparou - um exemplo foi o da saca da batata na Ceasa-RJ, que subiu de R$ 40
para R$ 100.
A moda pegou e, na última quinta-feira, funcionários da
General Motors bloquearam a Dutra, diante da fábrica da montadora em São José
dos Campos, por cerca de uma hora. Foi um protesto contra a ameaça de demissão
de cerca de 1.500 funcionários. Houve congestionamento de até 13 quilômetros.
Também nesse caso, nada aconteceu com os manifestantes.
O direito de greve é indiscutível - consta da Constituição,
em seu artigo 9.º. Cassar o fundamental direito alheio de ir e vir, no entanto,
é inadmissível abuso, e o Estado não pode ignorar essa violência, ou pior, dela
ser cúmplice.
Fonte: O Estado de São Paulo - SP
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