sábado, 16 de julho de 2016

De vinhos e de rolhas


Muitos são os materiais usados como vedantes das garrafas de vinho. 

Por muito tempo, entretanto, a única maneira de tampar uma garrafa era com a rolha de cortiça, material extraído da casca do sobreiro, carvalho da espécie Quercus suber, extensivamente cultivado em Portugal e na Espanha.

Existem em torno de 2.200.000 hectares de florestas de sobreiro no mundo.  Mas Portugal (34%) e Espanha (27%) tem as maiores reservas. Os dois países são responsáveis por 70% da cortiça consumida anualmente.

A árvore pode alcançar até 20 m de altura, vive cerca de 300 anos e pode fornecer até 12 extrações da cortiça ao longo da sua vida.

A cortiça é um tecido vegetal impermeável e flexível ao mesmo tempo, com estrutura que pode ser comprimida até metade do seu volume, sem perder elasticidade.

A árvore do sobreiro (Quercus suber). A parte de onde foi extraida a
cortiça está protegida.
A retirada da cortiça.
O tronco do sobreiro, mostrando uma área onde a cortiça foi retirada.
Apesar de suas vantagens reconhecidas ao longo da história, com o aumento na produção dos engarrafados no século XX, alguns problemas foram atribuídos à rolha de cortiça – o que desencadeou algumas polêmicas a respeito de sua utilização – resultando no aparecimento de vedantes sintéticos.

Os principais tipos de rolhas fabricadas com cortiça são:
  1. A rolha maciça, considerada a de melhor qualidade, pode chegar a dimensões de 55 mm de comprimento e 25 mm de diâmetro;
  2. A rolha de aglomerado de cortiça, feita de sobras da cortiça maciça, moída e unificada com cola. Tem elasticidade e durabilidade menores e são mais baratas;
  3. A rolha para espumantes, feita em formato de cogumelo, com duas partes distintas: parte de cima mais rígida feita de aglomerado do material e a parte de baixo, mais elástica e maciça.
Produzindo as rolhas de forma manual. Também se
utilizam máquinas.

O uso da rolha só foi adotado quando se utilizou o armazenamento do vinho em recipiente de vidro de forma padronizada. Isso ocorreu a partir do século XVII, quando se estabeleceu o formato da garrafa de vinho que conhecemos.


Rolha para espumante, feita em três camadas de densidade diferentes.
Inicialmente as rolhas de cortiça natural eram no formato cônico. Já no século XIX, o seu formato cilíndrico foi adotado com o desenvolvimento  dos equipamentos capazes de introduzi-la no gargalo das garrafas. As primeiras rolhas feitas a partir de aglomerados surgiram ainda neste século, e já no começo do XX surgem as rolhas de duas peças.

Rolha de cortiça ou Tampa sintética?

Com o aumento da produção vinícola em todo o mundo a demanda por rolhas de cortiça também cresceu, diminuindo substancialmente sua qualidade. Na década de 1970 muitos vinhos foram contaminados por uma substância chamada Tricloroanisol (TCA), que deriva das rolhas naturais defeituosas, onde fungos e impurezas da cortiça reagiam quimicamente com bactericidas utilizados na sua fabricação. 

A indústria norte-americana criou rolhas sintéticas para dar conta de sua produção e acabar com a contaminação, garantindo a qualidade do vinho. Logo após, outros tipos de vedantes passaram a ser utilizados, como a tampa de rosca.

Instalou-se desde então uma polêmica a respeito do material de fabricação das rolhas. Argumentos científicos, por vezes contraditórios, são apresentados tanto por quem defende a rolha de cortiça quanto por quem prefere a rolha sintética. 

Os primeiros afirmam que o elemento natural da cortiça é indispensável para o melhor amadurecimento do vinho, além de ter um caráter de defesa da tradição; afinal são três séculos de uso. 

Já os que defendem a rolha sintética afirmam que, por se tratar de um produto industrializado e pouco sujeito a variabilidade, está livre de qualquer contaminação.

A realidade é que nove em cada dez garrafas de vinho têm uma tampa alternativa à cortiça natural, atualmente. 

Quais vantagens ou desvantagens ela oferece para os consumidores de vinho?

Segundo o International Wine Challenge (IWC) - o maior concurso de vinhos do mundo - cerca de 6% dos vinhos que participam da contenda apresentam algum tipo de defeito associado ao fechamento da garrafa; o TCA é o responsável pelo metade dos defeitos.

No início da década de 1980 algumas indústrias vinculadas à elaboração de plásticos e borrachas apresentaram uma primeira solução alternativa: tampas sintéticas. Elas oferecem um fechamento seguro e inerte ao vinho. Paralelamente, as tampas Stelvin – chamadas de tampa de rosca, também foram apresentadas como solução. 

A tampa de rosca. Quase a totalidade dos vinhos da África do Sul
são engarrafados desta maneira.
Mas na corrida para se estabelecer a futura tampa para as garrafas de vinho, as alternativas atravessaram experiências boas e más. Entre as más, a dificuldade de utilizar o saca-rolhas em alguns tipos de rolha sintética  ou a dureza da extração. Já a tampa de rosca não conseguiu cativar o consumidor, que ainda hoje, segundo estudos, considera que são usadas em vinhos de baixa qualidade. O que não é necessariamente verdade!

Entre as experiências boas, por outro lado, é que se eliminaram os riscos de contaminação por TCA.

Mas há outros defeitos, como os que estão associados à óxido-redução do vinho, que, representam a metade dos defeitos que se encontram no vinhos.

Uma vez que o vinho está na garrafa,  as poucas moléculas de oxigênio que ficaram presas no interior ou que entram através da rolha natural, são a chave para sua evolução dentro do recipiente . Esta questão foi reconhecida recentemente, na mudança de milênio, quando as tampas alternativas foram responsáveis, em certa medida, pelo defeito de redução, produzindo um odor desagradável.

A solução veio de mãos dadas com a ciência. Empresas começaram a estudar a forma em que o oxigênio penetrava na garrafa, depois de fechada.  E descobriram que a rolha natural oferecia uma filtração na ordem de uma parte por milhão, que era a chave para que o vinho não se reduzisse e apresentasse odor desagradável. 

O problema é que a rolha natural não garante uniformidade dessa dosagem. E assim, é a responsável pela oxidação, quando dosificada em excesso. Trata-se do defeito inverso da redução, que é a cor de telha ou marrom, sem aromas atrativos e caráter diluído.

Com isso, a indústria começou a trabalhar na hipótese de obter uma tampa de goma expandida que, além de evitar o TCA, permitisse dosificar o oxigênio previsivelmente. 

Rolhas de goma expandida, de densidades diferentes.
Na década de 2000 criaram uma gama de tampas chamadas Select Series, que oferecem diferentes níveis de oxigenação: um vinho tinto, por exemplo, pode resultar em frutado ou reduzido, conforme se utiliza uma ou outra tampa no mesmo prazo de tempo, enquanto que outro reduzido pode ficar frutado assim que for cumprido o processo de oxigenação programado. 

Desta forma, a tampa também é uma ferramenta enológica. Para que um vinho chegue ao ponto ótimo de consumo, o enólogo sabe que pode engarrafá-lo com uma tampa que, aos dois meses, permita ao vinho uma evolução plena. Ou propositalmente o contrário. 

Qualquer que seja o caso, uma coisa é certa: com a nova geração de tampas os defeitos na hora de se tomar um bom vinho são coisa do passado.


Cada vez mais os vinhos de consumo imediato e os de consumo a médio prazo são fechados com tampas técnicas, como são denominadas. São tampas que oferecem um segredo invisível para o consumidor, e que garantem, na hora de pagar uma garrafa,  que você vai beber aquilo que comprou, e não uma surpresa.

Saúde!

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