terça-feira, 2 de junho de 2009

General Motors – Ascenção e Queda de um Império Industrial

A concordata, anunciada ontem, mostra como a GM sucumbiu a seu próprio sucesso. Ela depende hoje do dinheiro do governo, está à mercê do juiz de um tribunal de falências e prestes a encolher. Mas no passado a General Motors Corp. já foi o equivalente a Microsoft, Apple e Toyota numa única empresa. A GM estabeleceu os padrões de como uma empresa deve ser administrada, como um produto utilitário pode ser transformado em algo descolado e desejável e como ele deve ser vendido. Ela ajudou a vencer uma guerra mundial, a impulsionar a prosperidade americana e a revigorar o currículo das escolas de administração de empresas. "Ninguém mais era capaz de cobrir toda a extensão do mercado como a GM - nem a Ford nem a Chrysler", diz Gerald Meyers, ex-diretor presidente da American Motors Corp., uma montadora hoje desaparecida, e agora professor de administração na Universidade de Michigan. No fim, porém, a GM acabou vítima do seu próprio sucesso. Ontem ela se tornou o maior caso de moratória industrial na história dos Estados Unidos, com um pedido de recuperação judicial orquestrado pelo governo que pode custar aos contribuintes americanos mais de US$ 62 bilhões. Diretores da empresa descreveram a concordata como uma oportunidade sem precedentes de reverter décadas de declínio. Ela espera sair do processo em alguns meses, ao fim dos quais o governo deverá ter 60% de seu capital. O presidente dos EUA, Barack Obama, disse que a participação é inevitável e temporária. "Estamos agindo como acionistas relutantes", declarou em pronunciamento na televisão. O caminho para a concordata da GM foi pavimentado com exatamente as mesmas práticas de administração, marketing e relações trabalhistas que fizeram dela a maior e mais lucrativa empresa do mundo durante boa parte do século XX. Estratégias antes consideradas inovadoras "se tornaram uma pedra no pescoço da empresa inteira", disse Meyers. Sob a liderança de Alfred P. Sloan, engenheiro formado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts que dirigiu a empresa na década de 20, a GM foi uma das primeiras empresas a perceber que os EUA são um país composto de grupos diversos de consumidores, com diferentes gostos e recursos financeiros. A partir dessa premissa, a empresa criou uma estratégia para modernizar suas divisões de modo a impulsionar seu crescimento por várias décadas. A ideia era usar as marcas para oferecer "um carro para cada bolso e para cada finalidade", como disse Sloan. A Chevrolet fabricava carros acessíveis. Pontiac e Oldsmobile eram progressivamente de mais alto padrão. Buick era uma marca de primeira classe, e o Cadillac o auge do luxo. Juntas, elas formavam uma "escada do sucesso", permitindo ao consumidor ir subindo à medida que seu nível de vida melhorava, sem precisar deixar a família GM. Em 1932, a GM, mais bem focada, ultrapassou sua rival mais velha, a Ford Motor Co., tornando-se a maior montadora do mundo, título que conservou por 77 anos. No fim dos anos 50, a GM dominava, sozinha, 50% do mercado americano. Não era apenas uma empresa imensamente lucrativa. Era também descolada. Seus modelos mais "quentes", como o Corvette e o Camaro, tinham o mesmo prestígio que tem hoje o iPhone para a geração mais jovem, inspirando canções populares como "GTO" e "409". No mundo todo a GM simbolizava os Estados Unidos e seu poderio econômico. As aletas tipo "rabo de peixe" que adornavam os Cadillacs eram conhecidas e desejadas em todos os cantos do mundo Por algum tempo a GM dominou uma parte tão grande do mercado americano que o governo começou a pensar em usar as leis antitruste para desmembrá-la - a mesma ameaça já sentida pela Microsoft Corp. Nos anos 70, os problemas começaram. Montadoras japonesas passaram a ganhar mercado com carros pequenos e bem feitos, auxiliadas por duas altas acentuadas do preço do petróleo. A GM, a Ford e a Chrysler adotaram uma atitude de complacência e não conseguiram manter seu nível de qualidade. A estratégia da GM de oferecer todo um leque de marcas começou a se desfazer. Para cortar custos, a empresa passou a fabricar para suas várias marcas carros quase idênticos - prática conhecida no setor como "engenharia de logotipos". Isso apagou a diferença entre as marcas e tornou difícil para o consumidor distinguir entre um Chevrolet (ou Chevy, como a marca é conhecida entre os americanos) e um Pontiac ou Buick. Para enfrentar a ameaça crescente das montadoras estrangeiras, em meados dos anos 80 a GM voltou ao seus velhos princípios: criou uma marca inteiramente nova, a Saturn, ao custo de vários bilhões de dólares. Foi fundada como uma montadora completamente separada, cuja missão era reconquistar os consumidores que tinham debandado para as marcas estrangeiras. Em meados dos anos 90, a GM havia acrescentado mais duas marcas: a Saab, uma montadora de nicho sediada na Suécia, e a Hummer, fabricante de robustos veículos militares. Com tantas marcas para administrar e concorrência crescente das estrangeiras como Toyota e Honda Motor Co., a GM lutava para criar novos modelos suficientes para todas as suas marcas. Enquanto gastava pesado em novos modelos para reforçar a marca Oldsmobile, deixou a Saturn perecer, e suas vendas minguaram. Em 2000, Rick Wagoner foi nomeado diretor-presidente. Ele assumiu as rédeas com a intenção de reinventar a empresa. Em uma de suas primeiras medidas, decidiu que era inútil tentar conservar a Oldsmobile. Acabou sendo uma decisão onerosa, pois a GM teve que indenizar as concessionárias que perderam os negócios com a marca. O total da conta foi estimado em US$ 2 bilhões. Além do custo de eliminar certas marcas, havia outras razões importantes para conservar todas elas dentro da empresa. No início deste século, a GM se viu sobrecarregada com os custos de seguro-saúde e aposentadoria para centenas de milhares de funcionários sindicalizados e seus dependentes. Para gerar caixa para honrar esses compromissos, tinha que vender o máximo possível de veículos. Para conservar participação de mercado, Wagoner decidiu reanimar a Saturn e outras marcas menores da empresa. Nessa missão, contratou Robert Lutz, ex-diretor presidente da Chrysler e conhecido guru da indústria, para desenvolver uma nova geração de veículos. Bilhões de dólares foram alocados a esse esforço. As marcas menores - Buick, Pontiac, Saturn - passaram a ganhar mais recursos do que a marca maior e mais forte da GM, a Chevrolet. Uma série de chamativos modelos novos que foram concebidos sob a direção de Lutz apareceram nas marcas mais fracas. A Pontiac e a Saturn ganharam um conversível cada uma. Chegaram também os carros de passeio de tamanho médio Buick LaCrosse, Pontiac G6 e Saturn Aura, enquanto que a marca Chevrolet tinha de esperar por um novo Malibu. No início de 2005 os negócios da GM começaram a se desmanchar. Anos de pesados incentivos de vendas corroeram suas margens de lucro, e a empresa advertiu que o ano terminaria com prejuízos significativos. A GM acabou anunciando perdas de US$ 8,65 bilhões naquele ano. Foi o primeiro de uma série de prejuízos anuais que foram se acumulando e exaurindo o caixa da empresa, a ponto de deixá-la dependente de empréstimos do governo para continuar operando no fim do ano passado - o primeiro capítulo da novela que a levou à concordata ontem. (Com informações do Valor Econômico e Gazeta Mercantil)

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