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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Um país dominado pela desobediência civil


Os recentes acontecimentos em todo o País, nos quais a ferocidade de lideranças sindicais na greve dos rodoviários de Porto Alegre se insere, mostram que a face mais perturbadora das manifestações de junho do ano passado não só se mostrou mais cruel, como deve se tornar cada vez mais sombria. De um lado, temos grupos mais radicais, de outro, uma certa complacência generalizada por parte dos atores oficiais para com ela.

A cada dia notamos que parte crescente da população começa a exigir a Lei do Talião, exigência cuja forma é cada vez mais radical. Ou seja, um efeito de violência extremada contra violência extremada, um caminho que, ao fim e ao cabo, é como flertar com o inferno. Isto é, combater o desastre com outro desastre.

Estes momentos comportam-se como a água de um rio, que aos poucos vai preenchendo todos os espaços vazios que encontra. A grande verdade é que os governos estão atemorizados e cochicham mensagens de prudência também radical, cujo teor é basicamente um “vamos deixar como está para ver como fica, nem que isso signifique o pior dos cenários”. Por quê? Porque estão despreparados, porque não se organizaram para emergências, emergências que, de pontuais, passaram a ser um estado permanente de desobediência civil. A resposta mais ousada que fizeram até agora foi criar forças-tarefas ou grupos de trabalho, que, na maioria das vezes, servem apenas para fabricar toneladas de textos, meras cartas de intenção.

O Ministério da Justiça analisa há três meses — um segundo, em termos de velocidade oficial — um documento elaborado por juristas a pedido do secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Alberto Beltrame. Entre outros pontos, propõe a proibição do uso de máscaras em manifestações públicas de qualquer natureza. O problema é que estamos confundindo temor com prudência, uma linha bem definida que grandes estadistas conhecem muito bem. Falta-lhes coragem no enfrentamento do problema, mas não a coragem louca, suicida. Como disse o notável tribuno Gaspar da Silveira Martins, quem está montado na razão não precisa de esporas. De fato, não se bivaqueia nas margens do Rubicão.

Eis o fulcro: respostas lentas para assuntos urgentes. E quando são rápidas, são medidas de afogadilho, do tipo serviço rápido e mal feito. Ocorre que lá atrás esse enorme organismo inchado descuidou dos sinais de alerta. Avisos até existiram, mas a costumeira arrogância e autossuficiência desse ente anabolizado, agravada pela complicada cadeia de comando, não os percebeu, até porque os cargos que requerem especialistas foram preenchidos por companheiros de safári. Então é improvável que esse ente inchado e artrítico vá ter desempenho de atleta numa corrida de obstáculos. Mas deveria tê-lo, afinal, foram eleitos para isso.

A questão toda é, de novo, que vivemos uma escalada assustadora de violência. Hoje, foi o assassinato de um cinegrafista, amanhã será uma vítima inocente, cujo status social não o guindará para os holofotes da mídia. Enquanto isso ocorre, o tão decantado direito de ir e vir será miragem. Ou seria pedir demais que a sociedade tenha, ao menos, uma relativa tranquilidade no seu cotidiano?

Fica no ar uma singela pergunta: pelo andar da carruagem, quanto tempo mais até que exploda uma bomba de verdade nas manifestações?

Jornal do Comércio - RS - Editorial

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